Jaques Wagner, Lula e o “galo tapado”. Por Valter Pomar

Atualizado em 3 de dezembro de 2020 às 9:05

Originalmente publicado em PÁGINA 13

Por Valter Pomar

Recomendo que se assista a entrevista de Jaques Wagner a Mario Kertész, transmitida no dia 30 de novembro e disponível no endereço abaixo:

Numa certa passagem da entrevista, Kertész conta a Wagner a história do “galo tapado” e pergunta se ele será candidato a governador da Bahia.

Wagner dá uma resposta previsível, agrega suas opiniões sobre a “garotada” que apareceu na cena política e defende que o PT faça uma “mudança de conteúdo” e uma “mudança geracional”.

Kertész se dá por satisfeito, ambos trocam amabilidades, fazem as despedidas e…

… quando parecia que a entrevista havia terminado, sem que ninguém tivesse perguntado nada, Wagner abre o coração e dispara o torpedo: “e só para fechar, Mário, eu não acho, de longe, que teve nenhum enterro, agora é evidente que o tempo vai passando e vai se sentindo, então por exemplo, o surgimento do Boulos é uma notícia altamente alvissareira, entendeu, ou da Manuela, ou da Marilia, ou do João lá em Pernambuco, sabe, são pessoas jovens que estão começando a ter reconhecimento público, então ótimo, a gente não pode ficar refém, eu sou amigo irmão do Lula, mas vou ficar refém dele a vida inteira, não tem sentido, entendeu, é a minha opinião sincera, então parabéns aos jovens que participaram e ganharam”.

Pulemos o elogio ao “João”, a versão baby do Aécio Neves, e vamos ao que interessa.

Jaques disse que não tem sentido ficar refém do Lula a vida inteira.

Refém?

Diz o dicionário que refém é “aquele que fica, contra sua vontade, em poder de outrem, como garantia de que alguma coisa será feita”.

Que eu lembre, Lula foi candidato em 1989 e 1994 porque todos queríamos isso.

Que eu lembre, Lula foi candidato em 1998 porque o forçamos a isso.

Que eu lembre, Lula foi candidato em 2002 e 2006 porque todos queríamos isso.

Que eu lembre, diferente do que ocorreu em outros países da região, Lula não trabalhou por um terceiro mandato e apoiou Dilma em 2010.

Que eu lembre, Lula não deu trela às pressões para que fosse candidato em 2014 e apoiou a reeleição de Dilma.

Que eu lembre, todos queríamos que Lula fosse candidato em 2018. Quem impediu sua candidatura foi o golpe, a condenação ilegal, a prisão injusta, a interdição fraudulenta.

Que eu lembre, Lula convidou Jaques para ser candidato a presidência da República em 2018.

Jaques não quis. E o candidato foi Haddad.

Portanto, olhando pelo retrovisor, não consigo entender a frase: “não tem sentido ficar refém do Lula a vida inteira”.

Olhando pelo para-brisa, também não consigo entender a frase.

Afinal, se tem algum refém nessa história, é Lula, não Jaques.

Lula é refém do STF, que poderia e deveria declarar Moro suspeito e abrir caminho para a recuperação dos direitos políticos de Lula.

Mas há dois anos o habeas corpus está para ser julgado. E não vejo sinais de julgamento à vista, menos ainda de justiça.

Portanto, se depender do STF, o PT será forçado a lançar outro nome à presidência da República.

Aliás, este foi um dos “argumentos” utilizados pelos integrantes do Diretório Nacional que decidiram não lançar Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo: “preservar” seu nome para a próxima disputa presidencial.

O que aconteceu ao final todos sabemos: uma derrota do PT em São Paulo e a projeção (muito estimulada pela mídia) de um potencial presidenciável de outro partido.

Mas Haddad não é o único petista que tem seu nome lembrado para a próxima eleição presidencial.

Circulava também, antes do primeiro turno de 2020, o nome de Rui Costa, atual governador da Bahia.

Esses são os fatos.

Como provam os dois casos citados, não tem ninguém refém de Lula.

Nem no passado, nem no presente, nem no futuro.

Salvo, é claro, que Jaques tenha comprado a “narrativa” do cara que foi a Paris, em pleno segundo turno.

Segundo este cidadão, em entrevista concedia ao jornal O Tempo: “O país não pode ficar refém do Lula, por mais amada e odiada que seja essa figura. O PT está encalacrado. Isso é uma questão trágica. Quase toda a executiva do PT responde por corrupção. Não é trivial. Vamos obrigar o brasileiro a ficar refém disso? Vamos perder as próximas cinco eleições se continuarmos assim. É meu dever dizer que o rei está nu. Ou seja, que o Brasil precisa procurar novas opções, novos projetos”.

A entrevista, para quem quiser checar, está disponível aqui: https://www.otempo.com.br/politica/ciro-gomes-ataca-pt-e-lula-nao-podemos-ser-refens-o-rei-esta-nu-1.2225580

Ciro não quer que o país fique “refém do Lula”.

Jaques não quer ficar “refém de Lula a vida inteira”.

E, já que é assim, eu não quero que as liberdades democráticas e Lula fiquem reféns do STF.

Anula STF!