Jean Wyllys: “Orlando: poderia ser qualquer um de nós”

Atualizado em 13 de junho de 2016 às 12:49

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De Jean Wyllys em seu Facebook:

 

Um HORROR! Poderia ser eu! Poderia ser Bruno! Poderia ser Markos! Poderia ser Evelyn! Poderia ser Fabiano! Poderia ser Lis! Poderia ser Léo! Poderia ser Rodrigo! Poderia ser Alessandra! Poderia ser Edy! Poderia ser Nicole! Poderia ser qualquer um de nós! Você conhece algum gay, alguma lésbica, alguma pessoa bissexual? Um amigo, um colega de trabalho, uma vizinha, uma prima? Pois el@ estaria morto se estivesse ontem em Orlando, se divertindo numa boate sem fazer mal a ninguém. Estaria morto pelo simples fato de que ama e volta seu afeto para pessoas do mesmo sexo. Esses assassinatos em Orlando, motivados pela homofobia mais sórdida, nos matam a todos nós, gays, lésbicas, bissexuais e transexuais em todo o mundo; levam um pouco de todas e todos nós junto com as vítimas!

Foram cinquenta mortos e cinquenta e três feridos! É o maior massacre cometido nos Estados Unidos desde o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. Um homem armado, identificado como Omar Saddiqui Mateen, nascido nos EUA, mas filho de pais afegãos, ingressou numa boate gay em Orlando e assassinou cinquenta seres humanos. O pai de Omar disse aos veículos de comunicação que o jovem tinha ficado “muito incomodado” em uma recente viagem a Miami quando viu dois homens se beijando. Essa declaração do pai do assassino não deixa dúvida que a motivação do atentado foi a aversão que ele tinha pelo modo de vida dos gays, bissexuais e lésbicas. A referência a que ele, o assassino homofóbico, não gostaria que seus filhos vissem dois homens se beijando é emblemática – e está em sintonia com o conjunto de estupidezes e ameaças homofóbicas vomitadas em minhas redes sociais todos os dias por “cidadãos de bem” que me odeiam por defender os direitos humanos das pessoas LGBT.

Nos próximos dias, haverá novas informações e muita discussão política sobre este brutal atentado, que podem inclusive afetar a campanha presidencial nos EUA. E haverá muita discussão sobre a vinculação pessoal ou não do assassino com o terrorismo islâmico. Mas independentemente desse fato, que ainda não conhecemos com certeza (se ele fazia parte ou não de algum grupo terrorista), tem outro que não pode ser negado: fosse ou não Omar Saddiqui Mateen integrante de algum grupo islâmico radical específico, o fundamentalismo religioso (islâmico nesse caso, mas que existe também em outras religiões, como bem sabemos no Brasil) está na origem do ódio que leva pessoas em diferentes lugares do mundo, inclusive pessoas comuns que nunca suspeitaríamos que fossem capazes de fazer isso, a exercer as formas mais cruéis e desumanas de violência contra as pessoas LGBT.

Lamento, com indignação e medo do que pode vir pela frente, mas sobretudo com indignação, essas mais de 50 vidas humanas ceifadas de maneira covarde. Torço pela vida e a recuperação dos sobreviventes. E solidarizo-me com seus familiares. A homofobia e a transfobia não é uma abstração nem uma invenção como sugerem os canalhas que a praticam, mas não querem ser chamados de homofóbicos e transfóbicos. Ela produz vítimas fatais. No Brasil, são quase 300 assassinatos por ano.

E quando criticamos os discursos de ódio dos “bolsomitos” e “malafaias” e “felicianos” e “euricos” e das “marisas lobos” e “ana paulas valadões” da vida e dos legislativo contra gays, lésbicas e transexuais, estamos pensando justamente no quanto o discurso de ódio proferido por essas pessoas – agora em alta porque aliados dos golpistas que tomaram a presidência da República – pode levar pessoas “de bem” a praticar atos de violência física – assassinatos e agressões físicas – contra membros da comunidade LGBT.

Delírios homofóbicos reproduzidos por políticos e líderes religiosos mentirosos – como a ideia de que gays, lésbicas, bissexuais e transexuais queremos impor uma “ideologia de gênero” ou praticamos “cristofobia” – podem levar a barbárie como a perpetrada, em atacado, na Flórida, mas também à praticada no varejo aqui no Brasil.

Esperamos que o atentado nos EUA não sirva a um discurso de estigmatização do Islã nem dos imigrantes do oriente médio vivendo naquele país. Que Donald Trump não recorra à sua conhecida demagogia e faça uso eleitoreiro dessas mortes em favor da extrema direita americana, que é profundamente homofóbica e xenófoba. Porém, também esperamos que as raízes religiosas dos preconceitos anti-homosexualidade não sejam descartadas do debate que virá na sequência. Podem tentar afastar a questão religiosa o quanto quiserem que não conseguirão. No fundo, mesmo no caso de pessoas não-religiosas, o preconceitos anti-homossexuais e os atos de homofobia que decorrem deles têm como alicerce o discurso das “religiões do Livro” que tratam como pecado mortal a sexualidade que não seja para fins de procriação e, mais duramente, isso que hoje chamamos de homossexualidade. Para que não comecem a dizer que só radicais islâmicos desumanizam gays, bissexuais e lésbicas, quero lembrar a todos e todas o outdoor espalhado por Malafaia em ruas do Rio de Janeiro – “Deus fez macho e fêmea” – e a letra da canção repetida pelos evangélicos fanáticos em púlpitos e nas redes sociais: “Deus fez Adão e Eva e não Adão e Ivo”.

Não podemos deixar que esse horror continue!