Jean Wyllys sai do Brasil antes de parar no que Bolsonaro chamou de “ponta da praia”. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 24 de janeiro de 2019 às 18:51
Jean Wyllys

O trecho mais revelador e triste da entrevista de Jean Wyllys em que ele conta da sua decisão de desistir do mandato e deixar o país é o seguinte:

Não foi a eleição dele [Bolsonaro] em si. Foi o nível de violência que aumentou após a eleição dele. Para se ter uma ideia, uma travesti teve o coração arrancado agora há pouco. E o cara [o assassino] botou uma imagem de uma santa no lugar.

Numa única semana, três casais de lésbicas foram atacados. Um deles foi executado. A violência contra LGBTs no Brasil tem crescido assustadoramente.

O [ex-presidente do Uruguai] Pepe Mujica, quando soube que eu estava ameaçado de morte, falou para mim: “Rapaz, se cuide. Os mártires não são heróis”. E é isso: eu não quero me sacrificar.

A violência contra mim foi banalizada de tal maneira que Marilia Castro Neves, desembargadora do Rio de Janeiro, sugeriu a minha execução num grupo de magistrados no Facebook. Ela disse que era a favor de uma execução profilática, mas que eu não valeria a bala que me mataria e o pano que limparia a lambança.

Na sequência, um dos magistrados falou que eu gostaria de ser executado de costas. E ela respondeu: “Não, porque a bala é fina”.

Veja a violência com homofobia dita por uma desembargadora do Rio de Janeiro. Como é que posso imaginar que vou estar seguro neste estado que eu represento, pelo qual me elegi?

Jean não está simplesmente fugindo do risco de ser assassinado, mas abandonando um país que se tornou, basicamente, um lixo.

É absolutamente compreensível. Ele virou alvo.

Bolsonaros Jair e Carlos celebraram o fato à sua maneira. Negaram depois que fosse referência a Jean.

Inacreditável

“Grande dia!”, tuitou o presidente da República, que em tese deveria zelar pela segurança de todos os brasileiros.

O mesmo sujeito que deu vexame em Davos, que expôs seu despreparo, age como o cara que ficava no fundo da classe atirando bolinhas de chiclete na cabeça dos colegas.

Jean não é um cidadão na acepção da escória bolsonarista.

Ele entra naquela lista de indesejáveis que Bolsonaro citou num discurso dez dias antes do segundo turno.

São os “vermelhos”, os “comedores de mortadela” que ele jurou banir.

Jean não quer ser uma nova Marielle. Quem há de culpá-lo?

Bolsonaro tem uma missão: destruir e dividir o Brasil, em oposição ao que volta e meia apregoa para enganar meia dúzia de otários que querem ser enganados.

Sua missão é nos transformar numa Venezuela e mandar os “inimigos” para a “ponta da praia” — com a cumplicidade de milhões que o elegeram e das milícias a quem serviu, juntamente com os “garotos’, ao longo de décadas.

Jean Wyllys não vai lhe dar esse gosto.

Bolsonaro acha que se livrou de um problema.

É bom lembrar que nem mesmo a morte parou Marielle — e ela vai acabar derrubando esse bando.