Jesus no pé de goiaba, estupro e nossa falta de empatia. Por Larissa Bernardes

Atualizado em 14 de dezembro de 2018 às 18:02
Damares Alves

A pastora e futura ministra de Bolsonaro Damares Alves não poderia estar mais distante do que defendo e acredito. Suas declarações a respeito dos direitos das mulheres são, para dizer o mínimo, revoltantes.

Nesta semana, viralizou um vídeo em que a pastora aparece relatando um “encontro” que teve com Jesus Cristo aos 10 anos de idade em um pé de goiaba.

A história foi um prato cheio para aqueles que  –  como eu – não suportam a ideia de ter uma pessoa assim como ministra. A internet, é claro, não perdoou e criou uma imensidão de memes sobre o assunto.

Mesmo antes de saber a fundo do que se tratava, me senti um pouco incomodada com as brincadeiras.

Manifestações sobrenaturais são comuns nas religiões. Umbandistas recebem guias, evangélicos falam em outras línguas, espíritas psicografam mensagens do além e por aí vai…

Acreditar ou não na veracidade de tudo isso, vai de cada um. No entanto, a fé alheia deve ser respeitada. Em todas as suas formas e vertentes.

A história não para por aí.

Quem assistiu ao vídeo de Damares contando sobre sua experiência no pé de goiaba, não percebeu  –  ou preferiu ignorar – a parte em que ela diz que estava tentando suicídio.

Hoje (13), em entrevista a uma rádio, a futura ministra contou que era estuprada enquanto criança.

“Fui abusada dos seis aos oito anos, inúmeras vezes. Eu tinha um pé de goiaba no fundo de minha casa e era lá que eu chorava sozinha. O meu agressor me convenceu que eu era culpada do abuso. Eu mandava todos os sinais e ninguém via, não podia falar porque tinha uma ameaça: ‘se você falar, seu pai morre’. Aos 10 anos eu quis morrer”, disse.

Juntando as peças, fica mais fácil entender o que se passou naquele tal pé de goiaba.

Não é engraçado. Não é motivo de piada. É triste e revoltante que uma criança tenha passado por isso  –  mesmo que tenha se tornado uma adulta desprezível.

Damares merece toda a oposição possível e assim será a partir de 1º de janeiro. Mas, nem ela, e nem ninguém, merece ter um episódio tão triste da própria vida exposto como chacota por aí.

No dia em que deixar de me compadecer por alguém que sofreu abuso, me tornarei tudo aquilo que abomino em Damares Alves.