Jogadores do Botafogo defendem direitos trabalhistas e lembram Afonsinho, o Che da Estrela Solitária. Por Gabriel Ferreira Borges

Atualizado em 11 de setembro de 2019 às 10:46
Afonsinho, protesto pela liberdade em plena ditadura militar
O capitão Joel Carli, Gabriel e João Paulo lembram os bons tempos de Afonsinho

PUBLICADO ORIGINALMENTE NA TRIBUNA DE MINAS

Afonsinho tinha 17 anos à época em que deixara o juvenil do XV de Jaú para ingressar no Botafogo. Entre 1965 e 1966, entretanto, o meia-armador atuara sem qualquer vínculo profissional com o clube, ainda que, mesmo como amador, já estivesse associado à agremiação. A relação estritamente privativa entre clube e jogadores inconformava Afonsinho. Embora a trajetória do paulista em General Severiano fosse vitoriosa – fora campeão da Taça Brasil em 1968, afinal -, a influência da Ditadura Militar em todos os meandros lhe martirizava. A liberdade sempre foi cara a Afonsinho. Exilado pelo Botafogo por contestar, fora o primeiro jogador brasileiro com passe livre.

Antes, Afonsinho, já melindrado, fora emprestado ao Olaria. Ao voltar a General Severiano, tinha barba e cabelo grandes. Como o próprio já revelou, achavam-no semelhante a Che Guevara. Subversivo, tachavam. Documentos oficiais do Governo o postulavam como um dos possíveis líderes de movimentos contrários à Ditadura entre os jogadores. O meia-armador peitara tanto o técnico Zagallo quanto o diretor Xisto Toniato até pleitear o seu direito, em 1971, junto ao STJD. Afonsinho era, deveras, subversivo. Pois se negava a assumir o comportamento historicamente imposto aos jogadores; a doutrina de bom rapaz atribuída pela classe média de clubes sociais.

Pois 50 anos depois, Joel Carli, 32, João Paulo, 28, e Gabriel, 24, lideram, no mesmo Botafogo, movimento reivindicatório. Não brigam pelos próprios passes, como Afonsinho. Contudo, lutam por pagamentos em dia, não só da categoria, mas, também, de funcionários administrativos, cujos vencimentos superam em pouco o salário-mínimo. Em manifestação pública, os jogadores reforçaram a insatisfação com o presidente Nelson Mufarrej, e, também, mostraram preocupação com os servidores – muitos acumularam dupla jornada, recorrendo a bicos. Inclusive, alvinegros angariaram, em campanha pública, cestas básicas para distribuir entre os funcionários.

As reivindicações de Afonsinho e de botafoguenses são simbolicamente distintas, evidentemente. Entretanto, o registro histórico é necessário, dado o caráter submisso da categoria. Em um ambiente estritamente conservador, a subversão é bem-vinda mesmo a conta-gotas. É certo que exigir heroísmo de pescoço alheio é um tanto quanto presunçoso, mas, ao contrário de Afonsinho, cujos vencimentos eram irrisórios se comparados aos atuais, atletas do Botafogo têm como pressuposto moral a luta contra o amadorismo, pois o futebol faz-se imune e impune a quaisquer tipos de regulações.