Jorge Amado

Atualizado em 24 de maio de 2013 às 11:08
Sônia Braga como Gabriela

A ENTREGA tardia do Nobel a Vargas Llosa me remeteu a um outro caso. Antes de falar dele, registro que, embora saudável e vigoroso, Llosa já tem 74 anos. Como o Nobel não é dado postumamente, fazia já alguns anos que se corria um risco absurdo.

Jorge Amado. Ele não ter ganho o Nobel é uma nódoa para o júri da Academia Sueca.

Jorge Amado entra na lista curta dos maiores romancistas da história. Escrever em português não o ajudou na questão do Nobel. Nenhum brasileiro ganhou. Mas Saramago, com seu português de Portugal, foi premiado. Como romancista — verve, prosa, histórias que agarram o leitor pelo colarinho e não soltam, versatlidade, constância — Jorge Amado foi catedrático onde Saramago foi aluno.  Jorge Amado depois de Machado de Assis foi o maior romancista brasileiro. Os dois ombreiam com nomes como Tolstoi, Dostoievski, Flaubert, Stendhal e os poucos outros que compõem a primeiríssima divisão da literatura mundial.

Jorge Amado teve duas fases  distintas. Na primeira, o jovem escritor comunista fez romances que embelezam qualquer biblioteca. Dois se destacam. Capitães da Areia, a  saga dos meninos pobres das praias de Salvador, já mostrava nos anos 20 que o Brasil não poderia aspirar a muito sem cuidar de suas crianças desvalidas. E Mar Morto, o retrato lírico e desesperado do amor de uma mulher e um pescador, um romance que molha os olhos do leitor ao mesmo tempo que o enleva. Jorge Amado tinha um amor incondicional pela gente humilde, e isso foi uma de suas grandes marcas em todas as fases.

Retrato do artista quando jovem

Ainda na fase engajada, O Cavaleiro da Esperança é a história romanceada de Luiz Carlos Prestes, o maios líder comunista da história brasileira. Quando o livro foi publicado, nos anos 40, Prestes representava mais ou menos o que Lula representa hoje. A diferença é que Prestes era caçado e passou a maior parte de sua vida na ilegalidade, junto com seu Partido Comunista, ao qual Jorge Amado era filiado.

O tom da fase engajada de Jorge Amado é branco e preto, simbolicamente. Seus romances traem a sua tristeza com o país tão desigual em que vivia.

Esse ciclo terminaria no final dos anos 50, com as célebres revelações, na União Soviética, dos crimes de Stálin. Foram tais e tantos que comunistas do mundo inteiro entraram numa aguda crise existencial.

A resposta de Jorge Amado foi sair do Partido Comunista. Começaria aí a segunda fase de Jorge Amado, multicolorida, alegre, cheia de baianas desembaraçadas e fascinantes, como a Tieta de Tieta do Agreste, a Gabriela de Gabriela Cravo e Canela e a Dona Flor de Dona Flor e seus Dois Maridos.  A literatura de Jorge Amado deixa de ser triste por causa das injustiças sociais e passa a celebrar a vida porque, como mostram suas personagens extraídas da gente simples, ela pode ser bela.

A grandeza de Jorge Amado foi reconhecida internacionalmente. Foi um romancista global antes da globalização. Seus romances foram traduzidos virtualmente em todas as línguas. Não acontecera antes isso com nenhum escritor brasileiro. Depois dele, a fama lá fora se repetiria com Paulo Coelho, com uma distinção. Jorge Amado se valeu de seu colossal talento e Paulo Coelho foi produto de uma mistura de marketing competente, charlatanismo intelectual e misticismo pé de chinelo.

Jorge Amado foi o primeiro grande caso, no Brasil, de escritor capaz de viver apenas da literatura.

Não recebeu o Nobel, provavelmente por ignorância dos jurados, mas foi reconhecido por leitores em todo o mundo nas duas fases de sua obra. O ponto comum, entre elas, foi o amor irrestrito, comovedor e indelével do escritor por sua gente, a gente simples do povo.

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O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.