Jornais ignoram atos contra Bolsonaro e mostram o desprezo com o leitor, os fatos a democracia

Atualizado em 30 de maio de 2021 às 14:44
Sagrada beleza: capa do Estado de Minas

Quando a gente imagina que não é possível descer mais, descobre que o fundo do poço ainda não chegou.

É o Brasil desta triste era pós-golpe retratado pela imprensa.

O genocídio organizado por Bolsonaro na pandemia? Ora, ora, ora, mero detalhe: será dito no momento oportuno, quando os patrões entenderem ter chegado a hora.

Agora não é.

É isto que está escarrado nas capas dos principais jornais neste domingo, 30, um dia após os protestos que sacudiram o país, contra Bolsonaro, por vacina e pelo fim do genocídio.

“Tenho dó dos meus amigos JORNALISTAS em maiúscula que tiveram que se calar hoje, nesse dia histórico”, escreveu o escritor Marcelo Rubens Paiva: “A volta dos protestos e manifestações de massa contra o governo, mesmo numa pandemia. Diretas Já revival”.

O Estadão saiu com uma manchete misturando turismo com home office. Com lupa fica difícil achar alguma referência aos atos.

Estadão inacreditável

Cariocas, mais divertidos e criativos que os paulistas, transformaram a capa do Globo num conto da corochinha.

Capa do Globo montada pelos cariocas criativos e indignados

Os mineiros (veja acima) não precisaram queimar pavio para entrar na brincadeira: os próprios editores se dedicaram a caprichar e entregaram uma memorável peça no Estado de Minas que já entrou para os anais dos piores momentos da imprensa nacional.

A quem recorrer? Era a pergunta que sempre se fazia um velho editor nos tempos de chumbo da ditadura. Naquele período havia um mínimo de dignidade nas redações.

“Fazer Jornalismo é, realmente, ‘uma escolha muito difícil’”, sintetiza o educador Daniel Cara, aludindo ao indecente editorial do Estadão comparando Haddad a Bolsonaro dias antes do segundo turno, em 2018.

A imprensa tradicional perdeu o pudor e segue célere para a irrelevância.

Sobretudo quando consideramos que brasileiro é um consumidor voraz de notícias. É volúvel, mas não bobo: percebe quando um veículo ignora um fato da importância dos protestos de sábado.

Além do mais, todo mundo sabe que a informação vai chegar e omiti-la é mais nocivo para o veículo do que para o leitor.

Ao sonegar o que se passa nas ruas, o que os jornais sinalizam é o desprezo por seus consumidores, pelos fatos e, em última instância, pela própria democracia.

Semana passada, por exemplo, o Brasil assistiu manifestações pró-Bolsonaro. Em sua capa, o Globo abriu uma foto do presidente circulando com motoqueiros pelas ruas do Rio.

Capa do Globo com foto de Bolsonaro circulando com motoqueiros em dia de atos pró-governo

Qualquer pessoa minimamente informada sabe portanto que tivemos um ato pró-Bolsonaro e, outro, contra.

O jornal da família Marinho, porém, negou-se a informar apenas um deles.

Capa original do Globo montada pelos editores pagos pela família Marinho