Jornais impressos: o erro da corrida para o digital. Por José Eduardo Mendonça

Atualizado em 20 de outubro de 2016 às 12:00

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E se na louca correria que começou há duas décadas para reprogramar e estender seu conteúdo para o digital, editoras cometeram um erro colossal em seus negócios, desperdiçando centenas de milhões de dólares? E se elas tivessem mantido seus pontos fortes, as edições impressas que alcançam ainda a vasta maioria de seus leitores, em vez de correrem atrás da quimera online?

Em artigo no Politico comentando estudo escrito por H, Iris Chyi e Ori Tenemboim e publicado na Journalism Pratice, Jack Shafer fala de uma tese que parece hoje controvertida.

Os autores, munidos de uma montanha de dados, sustentam que a estratégia high-tech perseguida pela maioria dos jornais foi um fracasso. A chave para o futuro dos jornais reside em seu passado, e não em smartphones, iPads e realidade virtual, dizem eles.

O que os estudiosos afirmam ter descoberto é importante, porque jornais convencionais, com todas as suas limitações, permanecem a melhor fonte de informação sobre a política, a economia e as instituições que dominam nossas vidas. Ainda publicam uma quantidade desproporcional do jornalismo responsável disponível, uma função não plenamente substituída por mídias sociais e agregadores.

Chyi e Tenenboim estudaram a leitura de 51 jornais locais americanos de primeira linha (excluindo jornais nacionais como New York Times, Wall Street Journal e USA Today) e acharam uma realidade deprimente.

Poucos deles tiveram qualquer crescimento desde 2007, um momento em que as versões na internet estavam disponíveis havia dez anos, o que as tornava produtos maduros. Na verdade, mais da metade perdeu leitura online desde 2011.

Como explica Chyi, a circulação do produto impresso pode estar em declínio, mas ainda chega a mais leitores que os produtos digitais em mercados locais, e isto se aplica a todos os grupos de idade. E, com todos os custos de construir, programar e hospedar as versões digitais, elas pouco acrescentaram em termos de receita.

Chyi e Tenenboim não negam a óbvia migração em massa de consumidores de notícias para a web, mas notam que a maoria deles vão para agregadores como Yahoo News, Google News, CNN, MSN e outros sites não ligados a jornais. Em estudo de 2012 do Pew Research, 26% dos pesquisados citaram o Yahoo como a fonte que usavam com mais frequência. O Google marcou 17%, e o MSN ficou com 11%. Apenas 5% citaram o New York Times, 3% o Wall Street Journal e 2% o Washington Post.

O desempenho financeiro dos jornais online está abaixo do esperado, dizem os autores, com toda a receita deles crescendo de U$ 3 bilhões em 2010 para apenas U$ 3.5 bilhões em 2014. Sim, a receita dos jornais impressos desabou de U$ 22.8 bilhões para U$ 16.4 bilhões no mesmo período, mas ainda representa 82% de seu faturamento. Apenas New York Times e Wall Street Journal tiveram sucesso ao atrair um púlbico de massa pagante para suas edições online, mas eles são nacionais, não locais.

Netflix: crescer custa muito caro

Se você é daquelas pessoas que gostam de passar horas na frente da TV, nunca houve um tempo melhor: há um streaming interminável de programas, antigos e novos, que chegam online sem os preços altos do cabo. Toda esta programação, porém, custa caro e modelos de negócios terão de ser revistos.

Executivos da área estão planejando um futuro menos luxuoso, no qual os programas poderão ser mais curtos, com orçamentos mais baratos e cheios de anúncios em meio ao contúedo, o que o público detesta, mas pelos quais os anunciantes pagam. Pior ainda, a empresa que começou grande parte do problema pode logo ter de confrontar com falhas em seu próprio modelo de negócios.

A Netflix divulgou seus resultados em outubro. Suas dificuldades, e de empresas como ela, são mais prementes que as da TV tradicional. Em uma conferência recente em Nova York, seu CEO Reed Hastings, foi direto: “A Disney, que vai muito bem na China, teve seu serviço de filmes fechado. Aconteceu o mesmo com a Apple, que também se dá bem lá. Isso não parece bom”.

A Netflix precisa da ampliação de seu público em mercados como Índia e China, porque o dinheiro vindo desta escala forneceria em parte os meios para se pagar programas como Arrested Development e Lost, comenta o Guardian.

Em janeiro, a companhia disse a investidores que devia U$ 10.9 bilhões apenas em licenciamento, e U$ 4.7bilhões vencem este ano e o resto antes do final de 2018. E A Netflix não tem como encolher. Seus espectadores pagam e expressam seu descontentamento cancelando assinaturas, e não mudando de canal.

Os problemas de manter marcas na web

Muitos editores andam preocupados com a perda de controle ao publicarem seu conteúdo em plataformas. Isto não se restringe a venda de anúncios e dados. Um grande problema é como as pessoas percebem a marca de uma publicação.

Mesmo um programa como o Google AMP (Accelerated Mobile Pages), que prometeu mais controle que o Instant Aticles do Facebook, cria dificuldades para a manutenção das diretrizes da marca.

“É difícil fazer um site parecer como seu em um formato AMP”, diz Neil Vogel, CEO do About. “Você pode mudar o cabeçalho, as fontes, mas não é seu”.

Os editores afirmam que há muitos designs que são amparados pelo AMP, o que ajuda a manter suas aparências.

Geralmente fazem uma comparação positiva entre Google e plataformas fechadas como a da Apple News, que é basicamente um feed RRS. E o Instant Articles, dizem, restringe como as empresas podem apresentar suas matérias. O AMP é uma plataforma aberta, o que quer dizer que dá mais amplitude de adaptação do que outras plataformas distribuídas, informa a World Association of Newspapers and News Publishers.

Mesmo antes de clicarem em uma matéria AMP, os leitores podem não reconhecer quem é a editora, pelo modo como o Google as apresenta em um carrosssel, diz Dagny Prieto, vice-presidente de produtos para plataforma da Time, que implementou AMP com a Time Magazine em fevereiro e agora tem três quartos des seus produos nela.

Há limitações com as próprias matérias. Existem algumas fontes que não podem ser usadas nas AMP, por exemplo. Outra queixa comum é que o scroll infinito e o “leia a matéria inteira”, que editores usam para manter leitores em celulares por mais tempo, não podem ser usados nas AMP.

 

José Eduardo Mendonça
José Eduardo Mendonça passou por importantes órgãos da imprensa brasileira, como Exame, Gazeta Mercantil e Folha de São Paulo, na qualidade de repórter, editor ou diretor. Escreve sobre as tendências da mídia em seu blog zemediamix.wordpress.com/.