Jornalismo chapa branca surpreendeu ex-assessora de Moro: mal sabe ela que esta é a regra na velha imprensa. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 31 de outubro de 2018 às 11:20
Moro, quando recebeu prêmio da Globo

Coube a uma assessora de imprensa a crítica mais contundente ao trabalho da imprensa desde que a Lava Jato eclodiu, em 2014.

“Era tudo divulgado do jeito como era citado pelos órgãos da operação. A imprensa comprava tudo”, disse ela.

A assessora de imprensa é Christianne Machiavelli, que trabalhou diretamente com o juiz Sergio Moro.

A entrevista, concedida à jornalista Amanda Audi, foi publicada no Intercept Brasil.Christiane Machiavelli falou com a liberdade de quem já não trabalha mais na Justiça Federal em Curitiba, cargo que ocupou por seleção pública.

Alguns pontos merecem destaque, além daquele em que diz que a imprensa publicava tudo o que era informado pelos órgãos oficiais, sem criticidade nem análise mais aprofundada:

1 – “Era tanto escândalo, um atrás do outro, que as pessoas não pensavam direito, as coisas eram simplesmente publicadas.”

2 – “O caso da cunhada do [ex-tesoureiro do PT, João] Vaccari foi bem significativo. Os jornalistas foram na onda do MPF e da PF. Todo mundo divulgou a prisão, mas ela foi confundida com outra pessoa. Foi um erro da polícia. Quando perceberam o erro, Inês já era morta.”

3 – “O áudio do Lula e da Dilma é delicado, polêmico, mas e o editor do jornal, telejornal, também não teve responsabilidade quando divulgou? Saíram áudios que não tinham nada a ver com o processo, conversas de casal, entre pais e filhos, e que estavam na interceptação.”

4 – “Na Lava Jato, tudo ficou muito fácil. Havia uma profusão de documentos disponíveis. Os agentes responsáveis eram acessíveis. Todo dia havia algo novo. (…) o fato é que as facilidades fizeram com que a imprensa “comprasse” a Lava Jato quase que imediatamente. Denúncias do Ministério Público eram publicadas em reportagens quase na íntegra, assim como os inquéritos da PF e as decisões de Moro.”

5 – “Os repórteres que acompanham a polícia querem a imagem do preso, a história dele. Quanto mais sensacionalista, mais cliques, mais as pessoas vão ler. Mas, depois da Lava Jato, eu entendi o quanto a privacidade e intimidade do criminoso são necessárias. Lembro quando o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral apareceu com algemas nos pés e nas mãos e a imprensa abusou da imagem.”

6 – “Durante o período ostensivo das fases da Lava Jato, todos ficaram presos em Curitiba, com raras exceções, como Sérgio Cabral. Se criou essa cultura de trazer todos os presos pra cá, porque o juiz entende que o caso se desenrolou em Curitiba. Mas, no momento de uma execução penal, é a lei que vale, e ela diz que o preso tem direito a cumprir pena perto de seu domicílio, para a família poder visitá-lo. O José Dirceu, por exemplo, por um bom tempo não recebeu visita da família. Ele estava com os bens bloqueados e família não tinha condições.”

Christianne Machiavelli fala sobre o que conhece — o olhar dela sobre fatos que cobriu do lado de lá do balcão, como assessora de Moro.

Mas, se tivesse maior conhecimento sobre o que se passa do lado de cá, o da imprensa, talvez tivesse outra visão.

Os jornalistas fizeram cobertura acrítica da Lava Jato não apenas por inépcia, mas pela absoluta impossibilidade de publicar reportagens ou artigos que diminuíssem a importância da operação.

O modelo de cobertura foi o mesmo usado no julgamento do mensalão, em ambos os casos com a promoção pessoal de Joaquim Barbosa e Sergio Moro.

Em um caso, o “herói” foi apresentado como “o menino pobre que mudou o Brasil”, título de capa da revista Veja.

Em outro, Moro foi mostrado como o agente público que salvou o país.

Salvou exatamente do quê?

A ação de ambos, de evidente seletividade — maior no caso de Moro do que no de Barbosa —, resultou em Jair Bolsonaro.

Christiane demostra lucidez e honestidade ao testemunhar o que viveu, sem críticas pessoais a Moro, apenas com relato do que viu, e nos dias de hoje relatos honestos não são pouca coisa.

Talvez ela não saiba que há muito tempo, com a parcialidade da imprensa, a liberdade dos jornalistas da imprensa corporativa — ou velha imprensa — é bastante restrita.

É a regra não escrita nas redações: pau no PT e em Lula ou você está fora.

Alguém pode contra-argumentar que há colunistas que mantêm a independência, caso de Jânio de Freitas, da Folha.

Também há, ocasionalmente, há reportagens mais críticas, caso de Mônica Bergamo, que revelou Rodrigo Tacla Durán. Ou de Patrícia Campos Mello, que informou o esquema ilegal de divulgação de fake news contra Haddad através do WhatsApp.

Mas são exceções.

Para cada reportagem crítica na velha imprensa, há dezenas de outras, promovendo a Lava Jato.

No final, o que prevalece é o jornalismo chapa branca.

Um bom exemplo é a Globonews.

Merval Pereira, mesmo gaguejando e com olhos arregalados, diz coisas absurdas a favor da Lava Jato ou tentando influir nas decisões do Supremo, e os demais jornalistas respondem: amém, amém e amém.

Nunca contestarão o porta-voz da família Marinho. Se contestarem, sabem que estarão fora.