Nas redações, as belas vibram mais com fracassos das iguais que com seus próprios triunfos
MEXO EM meus livros e vejo Casa de Encontros, do bom escritor inglês Martin Amis. Meio reacionário, mas um cara inteligente e provocador que vale a pena conhecer. É passado na Rússia sob a ditadura bolchevista, que sob Lênin prometeu o céu aos russos e com Stálin e sucessores entregou o oposto.
A trama é um triângulo amoroso: o narrador e seu irmão disputam uma mulher sexualmente ousada. Um trecho me chama a atenção. O narrador diz para sua filha, uma mulher bonita: “Estou prestes a descrever uma jovem extraordinariamente atraente, e a experiência me diz que você não vai gostar, porque é isso o que você também é. E na minha experiência uma mulher atraente não quer nem ouvir falar de outra mulher atraente”.
Amis está certíssimo, como diria o superlativo agregado José Dias. No mundo ideal da mulher atraente, todas as outras seriam parecidas com a Susan Boyle. A mulher atraente prefere ouvir um programa de rádio de uma hora sobre futebol comandado pelo Juca Kfouri a suportar uma referência de segundos a uma rival na beleza.
Nas redações, vi dezenas de casos assim.
A jornalista atraente vibra mais com a desgraça de uma competidora do que com seus próprios triunfos. Examina com a severidade de um aiatolá a outra e enxerga nela instantaneamente todos os defeitos, reais ou imaginários, do penteado ao esmalte, passando pelo sotaque e pelo prato que pede ou deixa absurdamente de pedir num restaurante.
O texto da outra, evidentemente, é sempre um horror. O pior insulto que se pode fazer a um jornalista é dizer que ele não sabe escrever. Pois então. Uma jornalista bonita jamais considera bom o texto da rival em beleza, ainda que seja estupendo.
A contrapartida são os jornalistas veteranos, solidários e prestativos, cavalheirescos e gentis. Eles podem ficar uma tarde toda reescrevendo sem reclamar um texto caótico da repórter bonita, com um sorriso pendurado no rosto como se estivessem examinando um original de Tolstoi. Em geral, reescrito o texto, eles não vão pedir nada senão um beijinho no rosto e um olhar terno, mas evidentemente estarão à inteira disposição caso a repórter queira esticar a conversa para além do jornalismo e da redação.
Há uma sabedoria darwiniana na natureza em ter colocado nas redações um número sempre suficiente desses mentores de ocasião, desses samaritanos especializados em corpos femininos bonitos. Com a disposição de jovens marines, mesmo sendo sedendários e barrigudos, eles combatem intrepidamente pelo bem estar da repórter bela, vítima da psiquê fascinantemente agressiva das suas semelhantes.
Lembro meus anos de redação, e concluo que Amis não poderia ter descrito com mais apuro e sagacidade o convívio entre as mulheres bonitas.
Clap, clap, clap.
Este texto foi publicado no Diário do Centro do Mundo em 02 de julho de 2012.