Jornalista de Curitiba conta como foi pressionado por Moro pelas reportagens que publicava. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 30 de novembro de 2017 às 9:32
Gladimir Nascimento

A respeito da reportagem sobre as escutas telefônicas clandestinas feitas no gabinete e na casa do juiz Sergio Moro, em 2006, o jornalista Gladimir Nascimento, na época chefe do jornalismo da rádio Band News, me enviou e-mail, para contar do que se recorda na época.

A reportagem ouviu Denise Mello, a repórter que entrevistou Roberto Bertholdo, advogado e lobista, na ocasião preso. Denise foi intimada pela Justiça e, ao depor, contou que recebeu dois CDs com a gravação de conversas de Moro.

Uma delas, segundo se apurou na Justiça, era com o advogado Carlos Zucolotto Júnior, amigo de Moro, sócio do escritório de advocacia em cujo site Rosângela Moro, esposa do juiz, aparecia como advogada.

Zucolotto entrou na história da Lava Jato quando outro advogado, réu na Vara de Moro por lavagem de dinheiro de empreiteiras, Rodrigo Tacla Durán, contou que ele lhe tentou vender facilidades em acordo de delação premiada.

Segundo Tacla Durán, Zucolotto conseguiria reduzir de US$ 15 milhões para US$ 5 milhões a multa a ser cobrada e transformar seis meses de prisão em regime fechado por seis meses de prisão domiciliar, com tornozeleira.

Em troca, Tacla Durán deveria pagar cerca de US$ 1,7 milhão de reais por fora, para que Zucolotto pudesse pagar seus interlocutores na Lava Jato. Tacla Durán disse que chegou a receber da Procuradoria da Republica um e-mail com os termos acertados com Zucolotto, mas não levou adiante a negociação.

Morando hoje na Espanha, como cidadão espanhol — ele tem dupla cidadania —, escreveu o livro Testimonio (Testemunho em espanhol), em que denuncia a tentativa de acerto travada com Zucolotto.

O jornalista Gladimir Nascimento já não está mais em redações. Conta que trocou a profissão por outra, a de oleiro. Mas fez questão de contar o que viveu na época em que Moro era juiz federal apenas, não mito, e se incomodou com a cobertura que a Band News fazia da prisão de Bertholdo. Leia o texto de Gladimir, na íntegra:

Prezado Joaquim,

Minha profissão é a de oleiro, mas por quase 30 anos foi a de jornalista. Embora não tenha sido procurado na apuração, apresento-me para oferecer esclarecimentos, já que duas vezes você mencionou meu nome em textos que produziu, referindo-se ao tempo em que meu trabalho era checar e divulgar informações. A mais recente está neste link:

https://jornalggn.com.br/noticia/exclusivo-moro-e-a-origem-de-um-novo-direito-penal-por-joaquim-de-carvalho

Calculo que no exercício do Jornalismo produzi cerca de 5 mil matérias, em rádio, TV, jornal, revista e Internet, porém, por desapego, não guardo cópia de nenhuma delas. Não tenho arquivos. Isso traz a vantagem de não me deixar preso ao passado, nem permitir que alguma fantasia de vaidade me faça imaginar que tenham importância, mas, reconheço, dificulta a recuperação de detalhes que o tempo pode tornar relevantes.

Lembro-me do episódio Bertholdo. Foi uma reportagem excelente da colega Denise Mello. Na época, provocou certa comoção política na nossa província que pensa ser República. Lembro-me também de que fui ao gabinete do juiz Moro, não sei se intimado ou por iniciativa minha. Tive com ele conversa desconfortável, porém clara e franca, pois sentia-me seguro com o trabalho realizado por Denise, técnica e eticamente estruturado, e pude defendê-lo como me cabia.

Desgraçadamente, não me recordo de qual detalhe da matéria incomodou o juiz, que não tinha, na época, a notoriedade de hoje. Não foi episódio extraordinário, pois fui pressionado antes, como acredito que você também foi, por outros magistrados, promotores, policiais, empresários, políticos, enfim toda essa gente que o trabalho de jornalista contraria. Coisa da profissão. Moro foi mais um, e como tal foi tratado.

Posso estar enganado, mas, pelo que consigo lembrar, a alegação do juiz dizia respeito ao conjunto do problema, não às gravações que você menciona. Por mais que me esforce, não me lembro dos tais CDs.

Porém, se as gravações existiam e estavam conosco, o mais provável, sim, é que eu tenha decidido não usá-las.

Digo isso com segurança, mesmo sem lembrar da suposta decisão, porque é o que eu faria mesmo hoje. No fio da navalha cotidiano, sempre procurei ser cuidadoso com a reputação das pessoas. Muitas vezes falhei nesse compromisso, e provoquei danos a muita gente, mas jamais o fiz com essa intenção, e sempre tentei me cercar de cuidados.

Um deles é uma restrição bastante conservadora contra gravações clandestinas. Se os CDs existiam e faziam parte de um processo judicial, estavam sob guarda da Justiça e a ela caberia avaliar seu conteúdo, como, pelo que li em sua matéria, parece que ocorreu. Essa é a lógica que sempre procurei aplicar. Talvez seja uma lógica caduca, nesses tempos de vazamentos dirigidos. Nesse caso, fico feliz por ter caducado junto com ela e virado oleiro.

Não alimento qualquer apreço ou admiração pelo juiz Moro. Um dos motivos é o fato de que ele parece não partilhar da minha restrição à divulgação de escutas telefônicas. Mas não estou aqui para julgá-lo. Nem ao Sr. Bertholdo. Nem à mídia. Quero somente contribuir para a precisão de sua apuração e dizer que não me lembro dessas gravações; não as publicaria se as tivesse obtido, pois, segundo seu relato, eram clandestinas; não protegi ou fui pressionado para proteger o juiz Moro, nem o ataquei ou fui pressionado a fazê-lo, e não me recordo de qualquer participação, nesse episódio, do empresário Joel Malucelli, como sugere seu primeiro texto. Joel foi meu patrão e temos diferenças graves, que se tornaram públicas, não tenho qualquer motivo para defendê-lo, mas seria desonesto deixar que lhe atribuam essa culpa, pois ele não a tem.

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PS: Gladimir é um dos mais experientes jornalistas do Paraná. Trabalhou em grandes redações além da Band News e foi secretário de Comunicação Social da Prefeitura de Curitiba, na gestão de Gustavo Fruet (PDT).