Jornalista negro perseguido por Zambelli denuncia racismo de Léo Lins: “Pacto da branquitude”

Atualizado em 6 de junho de 2025 às 14:50
O jornalista Luan Araújo

Se há algo revelador na recente condenação de Léo Lins e, sobretudo, na pronta defesa feita por diversos humoristas e artistas brancos, é que o pacto da branquitude está mais ativo, articulado e despudorado do que nunca.

A imagem de união inabalável em torno do direito de perpetuar preconceitos sob o pretexto de “humor” escancara o quanto ainda estamos longe de uma sociedade disposta a romper com estruturas de poder racializadas. Mais que isso, mostra como parte da elite artística branca se recusa a aceitar que existem limites — legais e éticos — quando se trata da dignidade de pessoas negras, periféricas, LGBTQIAP+ ou com deficiência.

Léo Lins não foi condenado por fazer piadas pesadas. Foi condenado por fazer da crueldade sua estética, da violência simbólica sua linguagem, e do sadismo sua marca. Quando zombou do assassinato de Marielle Franco, mulher negra, periférica e de esquerda, brutalmente executada, ele não apenas “fez humor político”. Ele naturalizou o crime, desejou-lhe um inferno alcoólico e comemorou sua morte como alívio ideológico.

A cada gargalhada arrancada com piadas sobre escravidão, estupro ou pedofilia, o comediante reafirma que seu humor não é apenas ofensivo: é uma apologia cotidiana da desumanização.

A pergunta que se impõe não é se Léo Lins passou dos limites. Isso já está evidente, mas até acho que a pena de oito anos de prisão foi dura demais. A questão é: por que tantos artistas brancos correram para defendê-lo?

Léo Lins sorrindo com camisa do Brasil e caneca do Lula na Praça dos Três Poderes
O humorista Léo Lins – Reprodução

A resposta está no pacto da branquitude — esse compromisso implícito de proteção mútua, mesmo diante da barbárie. Em 2023, Fábio Porchat (que tem posições progressistas, mas não deixa de ser branco), por exemplo, se manifestou contra a decisão da Justiça de remover o show “Perturbador” das redes, classificando-a como “censura”. Um posicionamento que não cabe a quem se autodeclara “antirracista em desconstrução” e que, na prática, reforça a ideia de que a dor alheia — principalmente a dor negra — é menos importante que a liberdade de um branco em fazer piada com ela.

Porchat, como outros humoristas e influenciadores, parece acreditar que a liberdade de expressão é um salvo-conduto absoluto, que autoriza qualquer atrocidade, desde que embrulhada no papel colorido da comédia. Mas liberdade de expressão não é liberdade de opressão. E não há incoerência alguma em um Estado democrático coibir discursos que incitam ódio, discriminam e marginalizam — ainda que em forma de piada. Especialmente quando há uma plateia disposta a rir.

Léo Lins, vale lembrar, não atua no vazio. Em seu show, ele saúda a plateia como “cúmplice de um crime”, exalta a escalada da violência de seu repertório como uma escolha artística e ridiculariza sistematicamente grupos vulneráveis. Isso não é humor — é violência encenada. É bullying transformado em espetáculo. É o riso como ferramenta de dominação.

E o que torna tudo ainda mais perverso é o coro branco que, diante da responsabilização judicial, corre a defender o agressor em vez das vítimas. Uma defesa que nunca é estendida aos artistas negros quando são eles os alvos de ataques racistas, censura moralista ou exclusão de mercado. Onde estavam esses defensores da liberdade de expressão quando MC Carol foi censurada por falar sobre racismo na PM? Ou quando Baco Exu do Blues teve suas letras lidas em inquérito policial? O pacto da branquitude é seletivo. Ele protege os seus — e silencia os outros.

Por isso, é preciso afirmar com clareza: rir de tudo e de todos não é liberdade — é fascismo. A risada cúmplice da plateia branca que consome e defende o humor de Léo Lins não é apolítica. É expressão de poder. É a reafirmação de que, para essa elite, os corpos negros seguem sendo alvos legítimos de escárnio e desumanização.

Sim, podemos debater os contornos da decisão judicial. Podemos discutir se a pena é adequada ou se configura exagero. Mas não podemos perder de vista o essencial: a “piada” de Léo Lins sobre Marielle não é piada — é perversidade. E quem a defende em nome da arte não está rindo. Está compactuando.

A branquitude brasileira precisa, urgentemente, sair do palco e entrar na plateia da escuta. Parar de achar que tudo é sobre ela. E entender que o mundo mudou — e que, hoje, rir do sofrimento alheio não é só falta de graça. É crime.

Luan Araújo
Jornalista formado em 2012, morador da periferia da Zona Leste de São Paulo, sambista e corintiano.