Jornalista pede perdão por confiar no Estadão ao falar da “volta do orçamento secreto”

Atualizado em 12 de janeiro de 2024 às 18:35
Jornalista Pedro Menezes critica Estadão por falar em “volta do orçamento secreto”. Foto: Reprodução

O jornalista Pedro Menezes detonou o Estadão e pediu desculpa aos seus seguidores por acreditar na versão do jornal de que existiria uma “volta do orçamento secreto” no governo Lula. Ele afirma que o veículo produziu matéria “sensacionalista” sobre o tema e “desinforma” ao falar sobre “emendas sem transparência”, similares às que existiam no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O repórter André Shalders criou a categoria das ‘emendas sem transparência’ que seriam equivalentes ao Orçamento Secreto, mas essas emendas tem autores conhecidos, boa parte deles de oposição, e são discutidas coletivamente. Além de mau jornalismo, isso é um desrespeito com o trabalho dos colegas que revelaram o orçamento secreto com ajuda do próprio repórter”, diz Menezes.

Segundo o Estadão, parlamentares poderiam indicar o destino de emendas de comissão de maneira secreta, sem revelar quem são os autores das indicações dos recursos. O veículo diz que o presidente das comissões seriam responsáveis por negociar os valores com o Poder Executivo e diz que a prática ocorreria “assim como no antigo orçamento secreto”.

Menezes diz que conversou com o autor do texto, que insistiu na tese, alegando que “existe um problema de transparência” na nova modalidade, e aponta que ele “simplesmente não explica o processo decisório nos dois casos e a diferença entre eles, que é muito relevante”.

“O texto apenas faz a analogia, o que induz o leitor a erro”, avalia o jornalista. Leia na íntegra:

Peço perdão aos leitores por ter confiado no Estadão ao criticar as reportagens recentes sobre a suposta volta do orçamento secreto. Não dá pra confiar nem no básico do básico.

Veja os prints. Ao contrário do informado numa reportagem sensacionalista, as emendas de comissão são discutidas coletivamente e os autores são conhecidos. A reportagem informa que o presidente da comissão decide tudo sozinho, sem transparência, como nas emendas do Orçamento Secreto. Isso é simplesmente falso.

A Comissão de Turismo e Desenvolvimento Regional aprovou 4 emendas propositivas, das quais 3 (que correspondem a 84% do valor) têm importantes senadores bolsonaristas como autores. Um deles é Flávio Bolsonaro, outro é Hamilton Mourão.

Essas emendas não entraram direto no orçamento porque a comissão não tem esse poder, mas a reportagem desinforma sobre o processo de decisão no âmbito da comissão.

O repórter André Shalders criou a categoria das “emendas sem transparência” que seriam equivalentes ao Orçamento Secreto, mas essas emendas tem autores conhecidos, boa parte deles de oposição, e são discutidas coletivamente. Além de mau jornalismo, isso é um desrespeito com o trabalho dos colegas que revelaram o orçamento secreto com ajuda do próprio repórter.

É inacreditável que o Estadão cometa um erro tão básico, mais um. Noutros casos recentes, quem apontou erros similares sofreu retaliações, com direito a exposição de informações pessoais. Fico curioso pra saber se vão persistir na prática, mas não tenho medo, nem vou me submeter a isso. Pode vir quente porque eu tô fervendo.

Melhor seria pedir desculpas e admitir o erro. Convenhamos, o oligopólio da panelinha de jornalistas profissionais está cada vez mais fraco. Veremos se ainda acham que são intocáveis.

Recebi essa dica de um jornalista experiente, chequei pessoalmente e ainda fui atrás de especialistas pra ter certeza.

Mesmo após esse cuidado, me comprometo a corrigir qualquer informação ou adicionar qualquer contexto necessário, se for adequado.

Coisa que o Estadão não faz.

Ninguém precisa acreditar em mim. Nesse link, todos podem acessar vídeos, áudios, transcrição e ata da reunião que deliberou sobre as emendas ao orçamento 2024.

Procurei André Shalders e ele me disse que:

– A decisão final sobre a execução (ex: para quais municípios ou obras o dinheiro irá) é do presidente da comissão, ainda que ele discuta o assunto nas reuniões do colegiado.

– ⁠Os nomes dos subscritores das emendas não refletem necessariamente o “padrinho” das indicações.

– Temos indícios de que parte da discussão sobre essas emendas ocorre fora das reuniões públicas. Sabemos também que uma empresa gerida por um familiar do presidente da comissão foi beneficiada por emendas da comissão.

– Existe um problema de transparência em ambos os casos e isso justifica a comparação com o orçamento secreto.

– Existem diferenças relevantes entre a falta de transparência nos dois casos e, de fato, a reportagem não explica quais são essas diferenças.

Minha opinião após conversar com André:

Falta de transparência não é uma variável discreta, que assume os valores 0 ou 1. É uma variável continua e multidimensional. Na hora que se faz uma analogia, o leitor entende que a falta de transparência é similar nos dois casos, o que não é verdade. A reportagem simplesmente não explica o processo decisório nos dois casos e a diferença entre eles, que é muito relevante. O texto apenas faz a analogia, o que induz o leitor a erro.

Mesmo que as reuniões não decidam tudo, elas existem, a oposição participa e isso já faz toda a diferença.

Por fim, vale lembrar que problemas de transparência e governança sempre existiram em todas as politicas públicas, especialmente nas emendas parlamentares. Isso está longe de justificar uma comparação com o orçamento secreto.

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