Jornalistas de famosa rádio francesa fazem greve contra contratação de polemistas de extrema direita

Atualizado em 22 de junho de 2021 às 23:49

Publicado originalmente na RFI

Afundado em dívidas, o grupo Lagardère, dono da Europe 1 há 47 anos, cedeu recentemente a maioria de suas ações na emissora ao bilionário francês Vincent Bolloré, que acumula controvérsias no mercado por sua obstinação em criar uma “Fox News à francesa”, semelhante ao canal americano partidário do ex-presidente Donald Trump.

Bolloré, 14° empresário mais rico da França, segundo a revista Forbes, iniciou este processo de explorar um nicho ultraconservador na mídia francesa por meio da transformação do antigo canal iTelé, rebatizado como CNews. Em outubro do ano passado, a revista Telerama já mostrava em reportagem como este canal de informação foi reformulado para se tornar uma ferramenta de propaganda, de propagação de fake news e opiniões extremistas de direita.

No caso da Europe 1, a rádio já não acumulava bons níveis de audiência, apesar de ter uma equipe de jornalistas experientes e comprometidos com uma informação de qualidade. A gota d’água para a greve foi o anúncio de que, a partir de setembro, jornalistas e polemistas da CNews vão integrar a programação da Europe 1.

O âncora recrutado para o jornal da manhã será Dimitri Pavlenko, um jornalista que divide a apresentação do programa “Face à l’info” (Face à informação) com o colega Eric Zemmour, um ensaísta e historiador francês notoriamente xenófobo, racista, sexista e anti-Islã. Zemmour é a principal voz anti-imigração da TV francesa. Ele já foi condenado na Justiça por provocação à discriminação racial, em 2011, e duas vezes por discursos de ódio contra os muçulmanos, em 2018 e 2020. Além de principal comentarista político da CNews, Zemmour avalia se candidatar à eleição presidencial de 2022.

Os jornalistas da Europe 1, que fazem piquetes há cinco dias diante da emissora no 15° distrito de Paris, afirmam não querer que a redação se transforme numa plataforma de discursos de ódio. Na última assembleia do pessoal, dos 101 colaboradores presentes, 98 votaram a favor da continuidade do movimento, uma revolta inédita desde a fundação da rádio, em 1955.

Quanto ao industrial Vincent Bolloré, todos sabem que ele não abrirá mão de ocupar um nicho de direitização radical na mídia francesa. Em 2007, ele já foi um dos maiores contribuintes declarados da campanha do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy à presidência.

O bilionário está à frente de um conglomerado internacional presente nos setores de transporte, logística, frete marítimo, mídia e comunicação (Direct Matin, Canal+, Havas, Vivendi), entre outras atividades. Em 2016, Bolloré confessou sua culpa num processo em que era acusado por corrupção ativa na licitação de uma obra pública no Togo. Mas são suas operações na mídia, cerceando a liberdade de imprensa e criando veículos opinativos tendenciosos, que têm causado mais preocupação aos defensores de uma imprensa independente.