José Múcio e a coragem de agradecer a Lula em sua posse no TCU. Por Miguel Enriquez

Atualizado em 11 de dezembro de 2018 às 19:51
José Múcio toma posse no TCU em Brasília

POR MIGUEL ENRIQUEZ

Para variar, um dos momentos mais significativos da cerimônia de posse do ministro José Múcio Monteiro na presidência do Tribunal de Contas da União (TCU), realizada na manhã desta terça feira, dia 11, em Brasília, foi convenientemente escondido da opinião pública pelos sites e portais da mídia corporativa, que até o final da tarde não haviam publicado uma só linha sobre o assunto.

Pernambucano de nascimento, com longa trajetória no Congresso Nacional, ex-ministro de Relações Institucionais entre 20007 e 2009, Múcio, ao finalizar seu discurso, fez questão de fazer um agradecimento especial ao ex-presidente Lula, que o indicara para o tribunal em 2009.

“A gratidão é a memória do coração, já disse Santo Agostinho”, afirmou.

“No campo político, eu preciso agradecer a Roberto Magalhães [ex-governador de Pernambuco], que me iniciou na política, ao povo de Pernambuco, que me deu cinco mandatos, e ao ex-presidente Lula que me fez ministro”.

Numa terra de oportunistas, de políticos, empresários e imprensa sempre prontos a bajular os governantes da hora, a declaração de Múcio, para uma plateia que contava com a presença de autoridades como os presidentes da República, Michel Temer, do STF Dias Toffoli, do Senado, Eunício de Oliveira e da Câmara, Rodrigo Maia, além de três futuros ministros de Bolsonaro (Sergio Moro, da Justiça, Paulo Guedes, da Economia, e Fernando de Azevedo e Silva, da Defesa), foi uma extraordinária demonstração de honradez e hombridade.

Não por acaso, a maior parte dos citados, à frente Moro e Guedes, não se somou aos aplausos que seguiram ao final da fala do novo presidente do TCU.

Na verdade, o silêncio, a omissão e a ingratidão não são exatamente uma novidade entre nós. Também os sentiu na pele o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília, que ao lado de Getúlio Vargas é um dos poucos homens públicos da estatura política de Lula no Brasil Republicano.

Cassado pela ditadura militar, em maio de 1965, JK foi miseravelmente abandonado pela legião de áulicos que o cercavam nos tempos áureos.

Muitos deles chegavam a trocar de calçada para evitar se encontrar com o ex-presidente na rua e não desagradar os novos donos do poder.

Uma das raras exceções naqueles tempos de ostracismo, ao lado do então deputado federal Tancredo Neves e do banqueiro Walter Moreira Salles, atendia pelo nome de Adolfo Bloch, o controlador do grupo Bloch,  dono da revista e da TV Manchete.

Sempre fiel, disposto a socorrê-lo em todos os momentos de dificuldades financeiras e pessoais, Bloch chegou a destinar uma sala especial para JK no último andar do prédio que sediava suas empresas, na Rua do Russel, no bairro da Glória, no Rio de Janeiro.

Quando viajava a São Paulo, JK se hospedava na Casa da Manchete, uma mansão que pertencera ao chanceler Horácio Lafer, localizada no Jardim Europa.

Foi lá que o ex-presidente passou sua última noite, antes do fatídico acidente de automóvel na Via Dutra, que lhe custou a vida, no dia 22 de agosto de 1976.

Coerente, Bloch empenhou-se para que o corpo de JK fosse velado no saguão da sede da Rua do Russel, vencendo as resistências dos militares, que preferiam um velório mais discreto.

Alguém aí já imaginou Dias Toffoli, Carmen Lúcia ou mesmo Lewandowski lembrando que só chegaram à presidência do STF, graças à caneta de Lula?

Em tempos de Bolsonaro, palmas para o ministro José Múcio Monteiro.

VÍDEO – Com Moro e Guedes na plateia, novo presidente do TCU agradece a Lula na posse