José Roberto Marinho, da Globo, e Arminio Fraga querem privatizar paraíso no sul da Bahia

Empresa de cultivo de frutas planta condomínio em áreas protegidas por lei federal. José Roberto Marinho e Armínio Fraga são sócios. Comunidades são ameaçadas para que deixem seus territórios

Atualizado em 12 de março de 2023 às 10:48
Em preto, a área que poderá ser ocupada pelo projeto Turístico-Imobiliário Fazenda Ponta dos Castelhanos. Fonte. Divulgação Internet

Publicada originalmente em O ECO

Em uma das porções mais preservadas de toda a Mata Atlântica, a Mangaba Cultivo de Coco avança com um loteamento de luxo que poderá ocupar área semelhante a 1.700 campos de futebol, ou um quinto da ilha de Boipeba, no litoral sul da Bahia.

O projeto Turístico-Imobiliário Fazenda Ponta dos Castelhanos prevê a construção de residências de alto padrão, pousadas, aeroporto, píer para mais de 150 barcos e um campo de golfe.

  • Conforme o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos da Bahia, o projeto também abriga um “parque de lazer”, sistema para abastecimento de água, rede própria para energia elétrica e estrutura para processamento e destinação de lixo.

A empresa tem como sócios José Roberto Marinho e Armínio Fraga. Marinho é um dos filhos do jornalista Roberto Marinho (1904-2003) e um dos herdeiros do Grupo Globo. Ele controla a Fundação Roberto Marinho, criada por seu pai, em 1977. Brasileiro naturalizado norte-americano, Fraga é economista, ex-presidente do Banco Central no governo (1999-2003) Fernando Henrique Cardoso e sócio fundador da Gávea Investimentos, banco de capital nacional e estrangeiro.

José Roberto Marinho e Armínio Fraga, sócios no empreendimento. Fotomontagem

Outra sócia da empreitada é a Filadélfia Empreendimento Imobiliários e Participações. Ela pertence a Antônio Carlos de Freitas Valle, um dos ex-donos do Banco Matrix, cujas operações foram encerradas por envolvimento em escândalos financeiros.

Em meados de março, órgãos ambientais baianos e a empresa de frutas assinaram um “termo de compromisso” reforçando o sinal verde ao megaempreendimento. Na ocasião, o secretário de Meio Ambiente João Carlos Silva disse que o “grande atrativo dessa região é o ativo ambiental que se encontra ali. Isso tem que ser preservado, pois é o que torna a área relevante”. A realidade do projeto e as denúncias de moradores tradicionais mostram outro cenário.

O acordo governo-empresa prevê pouco mais de R$ 180 mil para “educação ambiental” e um “projeto socioambiental” na Área de Proteção Ambiental das Ilhas de Tinharé e Boipeba. O Conselho daquela Unidade de Conservação estadual está desativado desde 2004 e, assim, não avaliou o projeto.

Empresário Arthur Baer Bahia, da Mangaba Cultivo de Coco, o secretário de Meio Ambiente João Carlos Silva e o consultor Manuel Mendonça. Foto: João Raimundo/Ascom Inema.

O aperto de mãos e as declarações oficiais jogaram lenha na fogueira da indignação de ambientalistas, pescadores e pequenos agricultores. O loteamento de luxo causará estragos em manguezais, restingas, apicuns, mata nativa e terrenos de Marinha. Tudo protegido pela legislação federal, por sua importância para a sobrevivência e reprodução de inúmeras espécies de peixes e crustáceos.

Além disso, o empreendimento prejudicará o dia-a-dia de comunidades centenárias que vivem da pesca, da pequena agricultura e do extrativismo. Seu estilo de vida ajudou a manter grande parte do verde de Boipeba. O povoado de São Sebastião, ou Cova da Onça, no extremo sul da ilha, será encurralado pelo projeto turístico. Campos de mangaba nativos que posicionam a região entre as maiores produtoras do país estão na mira do desmatamento.

“Nunca plantaram (a empresa) um pé de coco, nem de mangaba, nada. Pelo contrário, querem tirar os pés de mangaba que são parte de nossa renda e alimentação”, reclama o presidente da associação de moradores, Raimundo Esmeraldino Silva (56), o Siri. “Nunca passamos necessidade, sempre tiramos nosso sustento do território, da agricultura, do extrativismo e da pesca. Estamos pedindo socorro, pois estão acabando com nossa cultura e nossa identidade”, desabafa o pescador.

Segundo ele, o Ponta dos Castelhanos é puro desrespeito com as comunidades tradicionais, que começaram a ouvir sobre o mesmo apenas em 2011, quando o apresentou estudos socioambientais para a empreitada. Silva conta que a Mangaba Cultivo de Coco tem pressionado indivíduos, famílias e lideranças comunitárias para que engulam o projeto. Áreas de pesca são bloqueadas, barracos de pescadores vão ao chão e moradores que trabalham em fazendas regionais têm empregos ameaçados.

“É violência mesmo. Sem nosso território, a comunidade não sobreviverá, não tem como crescer. Como ficam nossos filhos e netos? Será que nossa única possibilidade será sair daqui e migrar para regiões onde está crescendo a especulação imobiliária, com alto custo de vida?”, pergunta  o nativo da Cova da Onça.

Análise do Ministério Público do Estado da Bahia sobre os estudos oficiais para o licenciamento do Ponta dos Castelhanos concluiu que no processo há uma série de conflitos de competência entre órgãos públicos, planos para obras em áreas ecologicamente sensíveis, possibilidade de que materiais para a obra venham de ambientes preservados, destruição de mangues, prováveis prejuízos a córregos, nascentes, águas subterrâneas e áreas de desova de tartarugas marinhas.

“A questão desse Empreendimento é que as áreas de intervenção estão, em sua maior parte, conservadas, quais sejam os campos de mangabas, os manguezais, os recifes, os cordões litorâneos e os remanescentes de floresta ombrófila. Além disso, essas áreas estão legalmente protegidas”, traz o relatório. O mesmo sugeriu, ainda, a criação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural em área rica em mangabeiras.

Outro ponto cinzento é a propriedade das terras do Ponta dos Castelhanos. Conforme relatório da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia, a ilha é alvo de grilagem de terras para projetos privados desde meados da década de 1970. Conforme o documento, a Mangaba Cultivo de Coco “sequer figura como compradora do imóvel no qual pretende realizar o empreendimento, não mantendo, portanto, nenhum direito possessório ou proprietário sobre o mesmo”.

Cenário em região preservada na ilha de Boipeba. Foto: BahiaTerra Turismo e Eventos.

Reação

Há outras comunidades na zona de impacto direto do empreendimento, como Moreré, Velha Boipeba e Monte Alegre. As duas últimas têm origem quilombola, em escravos fugidos da escravidão.

A resistência dos povoados ganhou uma petição na Internet, já com mais de 33 mil assinaturas. Também ocupa espaços na mídia regional, estadual e nacional. Desde 2013, o Movimento Boipeba Viva tem apelado ao Governo Baiano, que segue dando de ombros aos atropelos de direitos dos moradores tradicionais.

Naquele mesmo ano, Boipeba foi eleita a ilha mais bonita do Brasil, em uma votação feita pelo Trip Advisor, um dos sites de turismo mais acessados do mundo. Afinal, ela é pouco explorada em comparação com as vizinhas Morro de São Paulo e Trancoso, onde resorts e grandes hotéis começaram a chegar no fim dos anos 1990 e provocaram sérios impactos ambientais e sociais.

“Não queremos que Boipeba vire uma Morro de São Paulo, destruída pela urbanização desregrada. Comunidades tradicionais que viviam nos territórios que foram ocupados por resorts, hotéis e pousadas foram encurraladas em uma grande favela, o Buraco do Cachorro”, ressalta Bernardo Bramont (37), representante dos moradores de Moreré e de Monte Alegre.

Atropelo federal

Questionada por O Eco, a Superintendência do Patrimônio da União na Bahia afirma que o “imóvel Fazenda Ponta dos Castelhanos é totalmente da União” e que, até hoje, não recebeu nenhuma consulta dos órgãos ambientais do estado quanto ao projeto turístico-imobiliário.

O órgão federal informa que existe um pedido para uso “de território ocupado por comunidade tradicional denominada São Sebastião, também conhecida como Cova da Onça, (…), numa enseada próxima ao local conhecido como Ponta dos Castelhanos. Cabe ressaltar que, somente após a definição da área de uso tradicional, outras demandas de destinação de uso na região poderão ser avaliadas”.

Até o fechamento da reportagem, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos da Bahia não explicou como o licenciamento ambiental do empreendimento imobiliário pode incidir sobre terras da União e ser concedido a uma empresa registrada para cultivo de frutas.

Não localizamos os contatos da Mangaba Cultivo de Coco, pois os registrados na Receita Federal são de uma agência de contabilidade, que desconhece telefone e e-mail da empresa. Apesar do grande porte, tanto a mesma quanto o projeto Turístico-Imobiliário Fazenda Ponta dos Castelhanos não possuem sequer um website.

Participe de nosso grupo no WhatsApp, clique neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link