
Por Rodrigo Durão Coelho
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é antissemita como acusou o ministro da Defesa israelense, Israel Katz, nesta terça-feira (26) em postagem ofensiva. Essa é a opinião de judeus progressistas ouvidos pelo Brasil de Fato, que dizem que o político acusa falsamente outros de antissemitismo, na tentativa de justificar os crimes cometidos por seu país na Faixa de Gaza.
“Em todas as declarações as quais o Lula tem feito em relação ao genocídio israelense em Gaza, ele tem sempre mantido uma crítica dentro do legítimo, que não incorre em nenhuma forma de antissemitismo”, disse Bruno Huberman, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
“Em nenhum momento o presidente busca generalizar as ações do Estado de Israel em relação aos judeus, a um judeu em particular, aos judeus de uma forma geral. Então, eu não vejo o presidente Lula sendo antissemita sob nenhuma circunstância”, completa.
Katz postou — em português — ofensas contra o presidente brasileiro, o chamando de “antissemita declarado”, “apoiador do Hamas” e uma imagem na qual Lula seria um fantoche comandado pelo líder iraniano, Ali Khamenei. O israelense critica o governo brasileiro por ter deixado a Aliança Internacional de Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês), entidade internacional a qual o país havia ingressado em 2021, sob a gestão de Jair Bolsonaro.
Quando o presidente do Brasil, Lula @LulaOficial, desrespeitou a memória do Holocausto durante meu mandato como Ministro das Relações Exteriores, declarei-o persona non grata em Israel até que pedisse desculpas.
Agora ele revelou sua verdadeira face como antissemita declarado e… pic.twitter.com/O0rzmTYqPA— ישראל כ”ץ Israel Katz (@Israel_katz) August 26, 2025
A educadora Iara Haasz, que compõe o coletivo antissionista Vozes Judaicas por Libertação refuta a lógica usada por Katz. “Sou judia e me recuso a aceitar a ideia de que ser contra a definição da IHRA é ser antissemita. Essa definição vem sendo usada para silenciar críticas legítimas a Israel e transformar solidariedade aos palestinos em crime de ódio.”
“É absurdo acusar Lula de antissemitismo por retirar o Brasil dessa armadilha. Ele não atacou judeus, apenas reafirmou que criticar políticas de um Estado não é o mesmo que odiar um povo. Usar a nossa dor histórica para blindar um governo que comete violações é, sim, uma perversão da memória do Holocausto”, pontua.
Também do Vozes Judaicas pela Libertação, Shajar Goldwaser cita a existência de inúmeras instituições, no Brasil, dedicadas à memória do Holocausto, inclusive fora do circuito acadêmico o que “ilustra como a ideia de que o Brasil estaria ‘ao lado dos que negam o Holocausto’ é completamente descabida”.
Goldwaser também lembra que Lula foi o responsável por advogar e aprovar o Tratado de Livre Comércio entre Israel e Mercosul em 2007 “e nos seus discursos, apesar de denunciar o genocídio, Lula nunca questionou a legitimidade da existência do Estado de Israel”.
“Associar Lula a uma suposta conspiração internacional que visaria destruir Israel é uma maneira de impedir a possibilidade de um diálogo. É inserir o presidente numa lógica de amigo ou inimigo, num contexto em que as manifestações pró-Bolsonaro tem levado às ruas milhares de bandeiras israelenses, assumindo que elas representam seu projeto político”, diz ele.
“É inevitável não ver esse episódio como uma estratégia de pressão dentro de uma disputa sobre a provável prisão de Bolsonaro, e narrativa de que Lula e o seu governo seriam uma suposta ‘ditadura de esquerda’. Isso deve nos chamar a atenção para ter ainda mais consciência sobre como a extrema direita tem se articulado com nações estrangeiras (EUA e Israel) para interferir nos rumos da nossa trajetória política nacional”, completa.
Definição que torna cúmplice
Assim como Iara Haasz, Shajar Goldwaser afirma que a definição de antissemitismo do IHRA não protege os judeus, chegando a torná-los mais vulneráveis.
“O fato desta definição ser usada como forma de cercear a liberdade de expressão e de liberdade acadêmica, e enviesar a grande mídia, apenas reforça a ideia de que os judeus do mundo seriam cúmplices dos sistemáticos crimes de guerra que Israel comete. Por isso, é crucial ressaltar que muitos judeus ao redor do mundo têm se juntado para denunciar a instrumentalização de nossa própria segurança e direito a professar nossos cultos e tradições em nome da manutenção do genocídio e de políticas de ataques à liberdade de expressão”, avalia.
Para ele, a saída do Brasil do IHRA, anunciada por Lula em julho, é não só correta, como também desafia uma hegemonia sobre a definição de antissemitismo “que não se presta a combater qualquer forma de discriminação racial, de classe ou de gênero.”
Goldwaser lembra ainda que o comércio entre os dois países cresceu recentemente: “um aumento de 50% de 2023 para 2024”.
“O que o ministro está claramente fazendo é atacando o Lula por algo que não fez, e tentando associá-lo ao um suposto ‘eixo do mal’ como forma de tentar interferir na sua alta de popularidade recente.
Resposta do governo
Horas depois da publicação do israelense, o Itamaraty publicou em suas redes que “o ministro da Defesa e ex-chanceler israelense, Israel Katz, voltou a proferir ofensas, inverdades e grosserias inaceitáveis contra o Brasil e o Presidente Lula”.
“Espera-se do sr. Katz, em vez de habituais mentiras e agressões, que assuma responsabilidade e apure a verdade sobre o ataque de ontem [segunda-feira] contra o hospital Nasser, em Gaza, que provocou a morte de ao menos 20 palestinos, incluindo pacientes, jornalistas e trabalhadores humanitários.”
“As operações militares israelenses em Gaza já resultaram na morte de 62.744 palestinos, dos quais um terço são mulheres e crianças, e em uma política de fome como arma de guerra imposta à população palestina.”
Publicado originalmente pelo Brasil de Fato