Juiz federal que vetou Renan Calheiros na relatoria da CPI da Covid foi acusado de participar do “mensalão da toga”

Atualizado em 26 de abril de 2021 às 20:17
Renan Calheiros. Foto: Reprodução/Twitter

O juiz Charles Renaud, da 2ª Vara Federal de Brasília, concedeu liminar suspendendo o senador Renan Calheiros de ser relator da CPI da Covid, ou CPI do Genocídio.

O magistrado atendeu um pedido da deputada bolsonarista Carla Zambelli em ação movida na semana passada.

Renaud determinou que “o Senhor Senador Renan Calheiros não seja submetido à votação para compor a CPI em tela.” Não há votação para compor CPI. Nem para definir relator (escolhido pelo presidente da comissão).

Zambelli comemorou a decisão nas redes e agradeceu ao advogado cearense Sormane Oliveira de Freitas.

“Agradeço ao Dr. Sormane e a todos os apoiadores. Essa vitória é de vocês!”, escreveu.

Renaud é um dos acusados de participar do chamado “mensalão da toga”.

Foi investigado por suposto desvio milionário de recursos e fraudes em empréstimos de uma associação de juízes com uma fundação habitacional.

O caso foi revelado em 2010.

A Folha de S.Paulo deu matéria assinada por Fredericos Vasconcelos em 2017 sobre o imbroglio:

A juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe, do Amazonas, recebeu em 2010 um telefonema que a deixou abalada. Seu irmão, general Jorge Fraxe, a questionou sobre uma dívida, que hoje corresponderia a R$ 117 mil, na Fundação Habitacional do Exército (FHE).

A dívida estava registrada em nome da juíza, mas ela nunca fez empréstimos na FHE. Mais de cem juízes também não sabiam que tinham débitos elevados na fundação, pois não haviam firmado contratos. Eles foram vítimas de uma fraude atribuída a colegas magistrados.

Durante quase dez anos, a Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (Ajufer) levantou dinheiro na fundação do Exército usando nomes de associados que desconheciam a trama. Entre 2000 e 2009, a segunda maior entidade de juízes federais do país assinou 810 contratos com a fundação. Cerca de 700 foram fraudados, vários deles em nome de fantasmas.

Com recursos obtidos em sucessivos contratos fictícios, a associação rolou mensalmente empréstimos não quitados. Parte do dinheiro era desviado ou depositado em contas de laranjas. (…)

Levantamento feito nas últimas semanas sugere que o “mensalão da toga” deve ficar impune.

Em abril de 2011, temendo essa hipótese, 40 juízes prejudicados entregaram abaixo-assinado à corregedoria do TRF-1. Pediam uma “investigação célere”, afirmando que seus nomes foram utilizados “de forma irresponsável, temerária e fraudulenta”.

O primeiro convênio entre a Ajufer e FHE previa a concessão de empréstimos no limite de R$ 20 mil. No segundo convênio, esse teto foi suprimido. No período investigado, seis ex-presidentes da Ajufer receberam o total de R$ 6 milhões, em 45 empréstimos. Cinco deles conseguiram novos contratos, mesmo acumulando dívidas.

A FHE descobriu a pirâmide financeira numa auditoria realizada em 2009.

Em outubro de 2010, a fundação moveu uma ação de cobrança contra a Ajufer. Pede que a entidade seja condenada a pagar R$ 32,6 milhões (valores atualizados), correspondentes ao saldo devedor de empréstimos.

MOROSIDADE

Uma ação penal sigilosa se arrasta no TRF-1, em Brasília.

Foram denunciados Moacir Ferreira Ramos, Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos, Hamilton de Sá Dantas e Charles Renaud Frazão de Moraes, ex-presidentes da Ajufer; o ex-diretor da FHE José de Melo, além de Cezário Braga e Nilson Freitas Carvalho, apontados como agiotas e doleiros.

Eles foram acusados, pelo Ministério Público Federal, da prática dos crimes de gestão fraudulenta, falsidade material e ideológica, apropriação indébita e lavagem de dinheiro. A denúncia foi oferecida em dezembro de 2014. Só foi recebida em maio de 2016. O relator, desembargador Jirair Meguerian, ainda não citou os réus para apresentarem defesa prévia. Foi decretada a extinção da punibilidade, por prescrição, de Hamilton Dantas.

O tribunal não presta informações sobre o processo, que corre em sigilo de justiça.

No esquema, a Ajufer intermediava o repasse de dinheiro entre a FHE e o associado, tanto para a tomada de empréstimo quanto para amortização das parcelas. Para liberar do dinheiro, bastava a Ajufer informar o nome do associado. Não havia garantia, controle ou fiscalização.

A anatomia desse “mensalão” foi exposta pelo ministro Herman Benjamin, em voto no Conselho da Justiça Federal, com base em relatório de juízes designados pela própria Ajufer, depois que o ardil foi descoberto.

O juiz Moacir Ramos indicava à FHE os supostos beneficiários dos empréstimos. Sacava a quantia para pagar prestações dos empréstimos em curso e transferia para suas contas pessoais e de laranjas a diferença [ou seja, o valor sacado, menos as prestações em curso].

No mês seguinte, “firmava” novos empréstimos fraudulentos em valores superiores à soma das prestações anteriores e repetia o desvio de recursos.

Ramos atuou em todas as gestões da Ajufer –como diretor financeiro e como presidente quando o golpe foi descoberto. “Ele ‘rolou’ a dívida total por quase uma década, sem que o problema fosse percebido”, diz Benjamin.

O TRF-1 aposentou compulsoriamente Moacir Ramos, em julho de 2013 (o juiz pedira aposentadoria por invalidez dois anos antes). Aplicou medidas brandas a Hamilton Dantas e Solange Salgado (censura) e a Charles Moraes (advertência). (…)

O juiz federal Moacir Ramos afirmou à corregedoria que “a utilização indevida do nome dos juízes em nada repercutiu na esfera patrimonial ou moral dos magistrados”, porque eles “não figuram como devedores.”

Ramos disse que a FHE “tinha conhecimento de todos os contratos e os assinava sem opor qualquer resistência”. O advogado de Ramos, Jonas Modesto da Cruz, diz que só se pronuncia nos autos. Solange Salgado disse ao corregedor que “assinava cheques em branco, na confiança que depositava no juiz Moacir Ramos”.

Charles Moraes afirmou à corregedoria não ter consciência da dimensão dos fatos, “devido à confiança que depositava no diretor-financeiro, Moacir Ramos”.

Os advogados de Hamilton Dantas informaram que só se manifestam nos autos. Ao corregedor, o juiz disse que “não tem riqueza pessoal ” e “perdeu o controle da sua situação financeira e do próprio acompanhamento dos seus contratos”.

O desembargador Antônio de Souza Prudente afirmou à Folha, em 2011, que jamais realizou qualquer convênio.

A defesa de José de Melo, ex-diretor da FHE, diz que ele não praticou irregularidades, e que agiu em nome do então presidente da fundação. Procuradas, as defesas de Cezário Braga e Nilson Freitas Carvalho não se manifestaram.