Publicado originalmente no Conjur:
A charge elaborada pelo cartunista Renato Aroeira, assim como a sua repostagem pelo jornalista Ricardo Noblat, não são condutas que atingem a figura do chefe do Executivo, Jair Bolsonaro, de modo a colocar sob risco a segurança e a integridade do Estado brasileiro.
Com esse entendimento, a juíza Pollyana Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, arquivou o inquérito aberto pela Polícia Federal a pedido do Ministério da Justiça contra os dois, com base no artigo 26 da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983).
O dispositivo prevê pena de reclusão de um a quatro anos para quem caluniar ou difamar o presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do STF, “imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”.
Havia também outro inquérito aberto pelo Ministério Público Federal, que foi arquivado pela instituição em março, por decisão da procuradora da República Marina Selos Ferreira. Em ambos os casos, as investigações partiram de pedidos do então ministro da Justiça, André Mendonça, atualmente Advogado-Geral da União.
A medida faz parte de um contexto de uso desmedido da Lei de Segurança Nacional que gerou debate sobre a reforma da mesma, como mostrou a ConJur. Desde a posse de Jair Bolsonaro na presidência, seu Ministério da Justiça usou-a para investigar críticos, desafetos políticos, jornalistas e advogados.
Para a juíza Pollyane Alves, o arquivamento do inquérito se impõe por atipiidade da conduta do cartunista e do jornalista investigados. Para ela, não houve intenção de ofender com motivação e objetivos políticos. Tampouco o há indícios mínimos de que a conduta poderia provocar lesão real ou potencial à integridade territorial e à soberania nacional.
“Nada obstante seja o presidente da República símbolo da unidade e da existência nacional, nem toda invectiva contra a sua pessoa tem o condão de consubstanciar lesão real ou ameaça potencial apta a reclamar a incidência da LSN”, concluiu.
Ela também descartou a ocorrência de crime contra a honra do presidente, por ausência do elemento subjetivo específico dos crimes de difamação e injúria. As condutas do chargista e do jornalista se enquadram no exercício do direito à livre manifestação do pensamento e expressão, assegurados pela Constituição Federal.
“As investigadas condutas, como assinalei, não são criminosas, mas revelam lamentável mau gosto e são moralmente repulsivas”, acrescentou a magistrada. Para ela, a referência ao nazismo evidencia triste “banalização do mal”, como assinalou a autora Hannah Arendt.
“Todos que vulgarizam os hediondos “nazismo”, “fascismo”, “racismo”, “genocídio”, “homofobia”, “misoginia” e semelhantes condutas e concepções de ódio às pessoas e à própria humanidade, revelam ou uma ausência de conhecimento histórico ou um absoluto desrespeito ao imenso e intenso sofrimento das vítimas desses pavorosos crimes, bem como desprezo por suas memórias”, disse.