Juíza libera bloco de Carnaval em SP que faz apologia à tortura

Atualizado em 3 de fevereiro de 2018 às 6:05
O delegado Fleury é o patrono do pessoal

Publicado no Jornalistas Livres

 

Em decisão que acaba de ser divulgada, a juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição, da 39ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, liberou a propaganda, divulgação e o desfile do Bloco de Carnaval denominado “Porões do Dops”, patrocinado pelo grupo ultraconservador Direita São Paulo.

Veja AQUI a decisão da juíza  Daniela Pazzeto Meneghine Conceição

Com estréia marcada para o próximo dia 10 de fevereiro, o Bloco celebra a prática de tortura do período militar, enaltecendo e homenageando gente como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o policial Sergio Paranhos Fleury, sinistros assassinos e torturadores que fizeram centenas de vítimas durante a Ditadura Militar.

Os cartazes de divulgação do Bloco Carnavalesco estão aí em cima, e trazem imagens dos dois torturadores. O nome “Porões do Dops” refere-se às câmaras de suplícios clandestinas, instaladas nos Departamentos de Ordem Política e Social (Dops), para onde eram levados adversários da Ditadura.

Com sua decisão, a juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição junta-se aos seus colegas de toga que vêm cobrindo o Judiciário de vergonha. Motivos não faltam:

  1. Daniela diz que “Conceder a liminar, tal como pleiteado, seria suprimir e ainda invadir a esfera essencial de proteção dos direitos fundamentais, notadamente da liberdade de expressão e de pensamento.”

Nãããããão, cara juíza! Não há liberdade de expressão e de pensamento que autorize o incitamento a crimes, o desrespeito às vítimas da Ditadura, a chacota com a dor e o sofrimento indizíveis. Imagine-se um bloco carnavalesco que resolvesse “brincar” com a temática da pedofilia, ou do racismo, ou do feminicídio, ilustrando sua propaganda com retratos de predadores de crianças, negros e mulheres —e enaltecendo-os!

Pela lógica da triste juíza, nada se poderia fazer nesses casos, em nome da “liberdade de expressão”.

  1. O que já está ruim, fica muito pior, quando a juíza expõe seus parcos conhecimentos de história. Diz ela: “Já a nomeação do bloco, por si só, não configura exaltação à época de exceção ou das pessoas lá indicadas que, sequer, foram reconhecidas judicialmente como autores de crimes perpetrados durante o regime ditatorial, em razão da posterior promulgação da Lei da Anistia (que teve como finalidade buscar a paz social, a segurança jurídica o convívio plural entre os iguais), a qual posteriormente foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, para reconhecer sua aplicação não apenas aos opositores ao regime da época, como também aos opressores.”

Nãããããããão, doutora Daniela! A Lei da Anistia de fato tentou passar um pano nas responsabilidades de agentes civis e militares sobre a brutal repressão aos opositores do Regime Militar. Mas daí a dizer que Brilhante Ustra ou Fleury nem “sequer foram reconhecidos judicialmente como autores de crimes” vai uma longa distância. A senhora deveria saber que Brilhante Ustra foi inclusive condenado em 2008 por decisão do juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo,tornando-se o primeiro oficial condenado na Justiça brasileira em uma ação declaratória por seqüestro e tortura durante o regime militar (1964-1985).

Depois disso, houve o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, cuja leitura os Jornalistas Livres recomendam fortemente à senhora, para evitar mais vergonhas neste campo.

  1. Por fim, doutora, a senhora diz a certa altura em sua decisão:
    “A meu sentir, conceder a tutela antecipatória além de violar a isonomia material, porque muitas pessoas também se manifestarão de diversas maneiras no período do Carnaval, e por óbvio haverão abusos na liberdade de expressão e pensamento, cabe ao Poder Judiciário, como ente Estatal manter e preservar pelo menos o conteúdo essencial dos direitos fundamentais.”

Nããããããããão, doutora! Além de graves problemas de pontuação, a senhora perpetrou um grave atentato contra a Língua Portuguesa. O verbo haver no sentido de existir ou ocorrer, é considerado impessoal, ou seja, não tem sujeito. Assim, em vez de “haverão abusos”, o correto é “haverá abusos”. Da mesma forma que “haverá juízes melhores”. Entendeu?