Júlio Lancellotti é calado nas redes enquanto padres conservadores discursam para milhões

Atualizado em 17 de dezembro de 2025 às 9:16
O padre Júlio Lancellotti. Foto: Felipe Rau/Estadão Conteúdo

Por Bruno Fonseca, em Agência Pública

Enquanto o padre Júlio Lancellotti, conhecido por defender pautas progressistas e a população de rua em São Paulo, está proibido de transmitir missas ao vivo e seguir com suas atividades nas redes sociais, outros religiosos com milhões de seguidores nas plataformas digitais seguem com a atividade liberada — que incluem declarações sobre política. Muitos também mantêm sites e anúncios pagos para páginas de cursos e lojas virtuais.

Um exemplo é Frei Gilson, que tem 8,65 milhões de inscritos no YouTube e 11,1 milhões de seguidores no Instagram. Gilson da Silva Pupo Azevedo, que está à frente da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na Diocese de Santo Amaro, em São Paulo, publica músicas, cortes de shows, leituras e reflexões sobre a Bíblia.

O próprio cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, segue ativo nas redes, apesar de ser o responsável pela solicitação de afastamento do padre. No Instagram, o cardeal tem 53,6 mil seguidores – muito menos que os 2,3 milhões de Lancellotti no Instagram. Na conta, além de conteúdos de divulgação da arquidiocese de São Paulo, o cardeal posta notícias e trechos das suas homilias.

Frei Gilson foi um dos religiosos católicos que “caiu nas redes” de Jair Bolsonaro e chegou a ser defendido publicamente em março deste ano “como um fenômeno em oração, juntando milhões pela palavra do Criador. Por isso, cada vez mais, vem sendo atacado pela esquerda”, publicou o ex-presidente. A defesa veio após críticas a falas do religioso no Dia Internacional da Mulher contra o empoderamento feminino e a favor que as mulheres atuem para auxiliar homens.

Em 2021, o religioso fez uma live em Brasília contra os “flagelos do comunismo”. A fala aconteceu dentro de um evento chamado “3 dias de clamor pelo Brasil”, no qual o religioso chamou o povo para “despertar na madrugada para rezar por sua pátria”.

O nome de Gilson chegou a ser citado pela Polícia Federal (PF) nas investigações que culminaram na condenação e prisão de Bolsonaro. Segundo a PF, Gilson teria recebido de outro religioso, o padre José Eduardo de Oliveira e Silva, um texto que pedia a católicos e evangélicos que orassem pelo então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e outros 16 generais quatro estrelas.

A ação foi batizada de “oração do golpe”. O padre Silva chegou a ser indiciado por, segundo as investigações, ter participado de uma reunião com o ex-assessor Filipe Martins e o advogado Amauri Feres Saad, em 19 de novembro de 2022, em Brasília (DF), mas não foi denunciado, assim como frei Gilson também não.

Divulgação do evento com Frei Gilson. Foto: Reprodução

Padre Paulo Ricardo, defensor de armas

Mesmo sendo de outro estado, padre Paulo Ricardo, vigário na paróquia Cristo Rei, em Várzea Grande (MT), é outro religioso com bastante influência nas redes sociais e também trata de política. Ele conta com 2,7 milhões de seguidores no Instagram, 2,17 milhões de inscritos no YouTube e 328,1 mil seguidores no X/Twitter.

O nome de Paulo Ricardo “estourou” nas redes em 2019, quando Jair Bolsonaro divulgou um vídeo no qual o religioso fala sobre o direito do porte e uso de armas por cristãos. Na gravação, em que o padre diz que “a Igreja não é pacifista, mas é pacífica”, vele relaciona campanhas pelo desarmamento a uma “crise histérica” e diz para o cidadão que “você tem o direito de não ser covarde. Nós cristãos não somos pacifistas”, afirmou sobre uso de armas contra bandidos.

O vídeo havia sido postado inicialmente em 2011, no contexto do massacre de Realengo, no Rio de Janeiro, quando um homem de 23 anos invadiu uma escola municipal e matou a tiros 12 estudantes.

A relação entre Ricardo e Bolsonaro é longa: em 2017, o então pré-candidato recomendou o canal do religioso como exemplo de rede que combate a “doutrina marxista” no Brasil. Já em 2015, Bolsonaro postou outro vídeo do padre divulgando uma palestra feita pelos dois sobre o tema “família”, a convite do religioso na Paróquia Imaculada Conceição, na cidade de Ceilândia, no Distrito Federal.

O padre Paulo Ricardo e Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

O padre Paulo Ricardo também investe em anúncios pagos no Google. A busca pelo seu nome gera um anúncio para sua página de cursos online e sua loja de livros.

Nos cursos, o religioso oferece aulas sobre temas variados, desde “como ler a Bíblia” a “terapia da alma feminina” e a importância das “navegações portuguesas”. O padre também tem um curso sobre a relação entre a fé cristã e as obras de O Senhor dos Anéis, do escritor britânico J. R. R. Tolkien.

Já a página de livros vende títulos variados, inclusive “combos”, como dois volumes para meditação diária da série de homiliários. O combo custa R$ 237,64 à vista ou 12x de R$ 20,83. Nas redes, ele também divulgou uma promoção de descontos de “black november” de cursos “para você se tornar um católico melhor e mais confiante”, nas palavras do padre.

A Pública procurou o frei Gilson e o padre Paulo Ricardo pelo Instagram, porém, não obteve retorno. Caso eles enviem seus posicionamentos, a reportagem será atualizada.

O que diz a Arquidiocese de São Paulo

Procurada pela Agência Pública, a Arquidiocese de São Paulo informa que a proibição foi feita durante uma conversa entre “o arcebispo e seu padre e, portanto, [as questões] dizem respeito ao âmbito interno da igreja”, diz a nota. Via assessoria, a reportagem foi informada que a “orientação” de sair das redes sociais e não transmitir suas missas pela internet, “foi para o bem do padre” e se refere apenas a ele. Os demais párocos da capital paulista seguem liberados para suas manifestações nas redes.

A assessoria de comunicação da Arquidiocese informou que não recebe valores referentes a cursos e livros vendidos por padres. A Arquidiocese recebe, segundo a assessoria, uma parte dos valores arrecadados pelas paróquias. Também foi salientado à Pública pela assessoria que a Arquidiocese Metropolitana de São Paulo não responde por todas as paróquias da cidade de São Paulo, apenas uma parte. Foi dito que a Diocese de Santo Amaro, por exemplo, não responde à arquidiocese sob coordenação de Dom Odilo Scherer, “assim como, a paróquia do padre Marcelo Rossi”.