Juntos no campo, na luta e na alegria: a grande festa de final de ano do MST. Por Ricardo Kotscho

Atualizado em 25 de dezembro de 2019 às 16:47

Publicado originalmente no Balaio do Kotscho

Por Ricardo Kotscho

Por onde eu andava, do estacionamento até o campo de futebol, passando pelas barracas de comida, nos abraços e beijos de pessoas conhecidas que me chamavam pelo nome, embora eu já não lembrasse os nomes deles, nem de onde eram _ por um momento, no final deste ano terrível, eu voltei a ter orgulho de ser brasileiro.

Foi um dia de lavar a alma e renovar as esperanças para o próximo ano.

Futebol, cachaça e cerveja, churrasco e arroz carreteiro, muita música para dançar e histórias de luta para contar, não faltou emoção na festa de confraternização dos militantes do Movimento dos Sem Terra, vindos de várias partes de país, que durou o domingo inteiro.

Em ocupações de terra onde fui fazer reportagens ou nas caravanas das campanhas presidenciais, em algum lugar desse país eu já tinha conversado com essa turma boa nos últimos 40 anos. Eles têm boa memória, eu não.

No reencontro de Lula com seu povo e velhos amigos para um jogo de futebol em Guararema, a 80 quilômetros de São Paulo, fiquei reparando na felicidade estampada na cara destas pessoas que não se entregam, por mais difícil que esteja a vida, para quem ainda luta por um pedaço de terra, em busca da sobrevivência, cada vez mais ameaçada pelo governo miliciano, que quer acabar com a reforma agrária.

Milhares desses antigos “sem terra” agora já estão assentados nas terras que ocuparam, mas eles não se esqueceram dos outros tantos, que ainda vivem na beira das estradas. Continuam na luta.

Se tem uma palavra que define o caráter dessa gente, que faz da luta permanente a sua razão de viver, é dignidade. Basta olhar nos olhos deles e ouvir suas histórias.

Para eles, Lula e Chico Buarque são dois companheiros que estão sempre juntos e presentes, na alegria e nos momentos mais difíceis da vida de cada um desses brasileiros.

São homens e mulheres, de todas as idades, raças e credos, unidos por um ideal de fraternidade em torno do bem comum.

Maior movimento social do país, o que mais chama a atenção no MST é a organização, cada um cuidando da sua parte e ajudando o outro.

Do pessoal de segurança que orientava os visitantes, aos dirigentes e políticos que apoiam o movimento, à turma que cuida das comidas e bebidas, ali todos são iguais, ninguém quer ser mais importante do que o outro. Ninguém se chama de senhor ou senhora.

Durante todo o dia, não houve nenhum incidente e as instalações do MST, onde fica o estádio Dr. Sócrates, no final da festa estavam tão limpas como no começo.

A chegada de Chico e Lula provocou um breve alvoroço, com todo mundo querendo tirar fotos e pedir autógrafos, mas logo os dois estavam entrando em campo misturados aos outros jogadores, e a torcida ocupou a arquibancada improvisada e as beiradas do campo para ver o jogo.

Era tanta gente se amontoando que muitos, como eu, nem conseguiram ver direito o jogo, vencido por 2 a 1 pelo time dos amigos de Lula e Chico, que fizeram os dois gols, contra o MST.

Ao chegar, Chico lembrou dos bons tempos do campinho de terra dos padres do Colégio Santa Cruz, onde estudamos no ginásio, nos anos 60 do século passado.

Com Juca Kfouri de juiz e José Trajano de comentarista, dois jornalistas de combate que também estão sempre presentes nestas horas, Lula levou um cartão amarelo ao tirar a camisa para comemorar o gol.

Roberto Baggio (mesmo nome do italiano que perdeu o penalti contra o Brasil no final da Copa dos EUA) nem viu nada disso…

Coordenador do MST no Paraná, estava com sua equipe gravando depoimentos para um grande movimento de resistência, que será lançado no dia 28, para defender os acampamentos ameaçados pela polícia do governador Ratinho Jr.

É lá no Paraná que fica a maior ocupação de terra do Brasil, em Laranjeiras, comandada por Baggio e acompanhada pela equipe de jornalismo da Rede CNT, que eu dirigia, em 1996.

Foi também um dia de boas lembranças para todos nós, mas depois da festa, a luta continua.

Agora com Lula livre…

Feliz Natal!

Vida que segue.