Juristas pedem suspensão de outdoors não identificados de apoio ao pacote anticrime

Atualizado em 10 de setembro de 2020 às 9:32

PUBLICADO NO BRASIL DE FATO

POR MARCELO FERREIRA

A Associação de Juristas pela Democracia (AJURD) protocolou, nessa quarta-feira (20), uma representação junto à Procuradoria Regional da República do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul contra as propagandas fixadas em outdoors em apoio ao ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, e seu pacote anticrime. Desde o final de outubro, cerca de 60 anúncios, sem nenhuma entidade assinando, começaram a ser instalados em diversos pontos de Porto Alegre. A iniciativa foi replicada em diversas outras cidades brasileiras, muitas também sem revelar a autoria.

A representação pede que o MPF suspenda com urgência a publicidade, bem como faça uma investigação de possíveis irregularidades e averiguação da autoria com responsabilização dos promotores. Conforme explica o advogado Mario Madureira, coordenador geral da AJURD, as peças publicitárias trazem várias irregularidades. Entre elas a caracterização da promoção pessoal, o que é inconstitucional. “O projeto é do governo (Projeto de Lei do Executivo n° 882, de 19 de fevereiro de 2019) e está em exame pelo Legislativo. Não é nem uma ação do governo, como uma campanha de vacina, por exemplo. A Constituição é muito clara sobre isso, as propagandas têm que ser absolutamente impessoais, não pode promover alguém a título de reformar algo”, explica.

Conforme Madureira, a representação questiona também a origem do financiamento da campanha publicitária. “O fato de ser propaganda anônima é ilegal”, aponta, informando que foi pedido ao MPF que verifique a origem do recurso, que pode ser pública, com direcionamento de verba publicitária ilegal, ou de caixa 2 ou ainda de outras fontes desconhecidas.

“Tudo isso converge para a questão de que Moro é candidato à eleição em 2022, quer viabilizar sua candidatura. Ele aparece nas pesquisas de intenção de votos a frente do próprio Bolsonaro. Isso configura abuso de poder econômico e consiste em concorrência desleal com os candidatos que ainda vão existir. O fato dele agradecer no seu Twitter os outdoors pelo Brasil significa que ele está estimulando a fazerem mais. Ele está usando um Projeto de Lei do Executivo como se dele fosse e tratando de tirar proveito pessoal, o que é proibido, conforme o artigo 37 da Constituição Federal, que estabelece o princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, onde nada na administração pública pode ser feito se a lei não autorizar”, afirma.

AJURD protocolou representação nessa quarta-feira (20) / Foto: Divulgação AJURD

Conforme matéria publicada pelo jornal Zero Hora, os outdoors na capital gaúcha são de autoria de um grupo chamado Poa Hoje. Uma das organizadoras da mobilização, a administradora Tuty Nair Berenice da Silva, 66 anos, disse que a campanha foi bancada com dinheiro da iniciativa privada, por meio de doações espontâneas. “Nós não fizemos nada de errado, não estamos devendo nada para ninguém. Não pegamos dinheiro de caixa 2, como eles estão falando. Somos gente honesta e trabalhadora e é isso que vamos provar”, rebateu.

Tuty disse ao jornal que a ideia surgiu após o Tribunal de Contas da União (TCU) suspender, em outubro, a publicidade do pacote anticrime, paga pelo governo federal. O relator do processo, ministro Vital do Rêgo, considerou indevido o uso de recursos públicos para a divulgação do projeto de lei que ainda será analisado pelo Congresso.

Sobre a declaração de autoria assumida pelo grupo Poa Hoje, Madureira avalia ser inconsistente. “Nós temos o direito de pedir a investigação porque não acreditamos nessa retórica que nos parece enganosa. Não basta as pessoas virem dizer que arrecadaram dinheiro, fizeram uma coleta, isso precisa ser comprovado e é o que pedimos na investigação. Senão, qualquer um poderia cometer um crime e depois daria qualquer resposta”, pontua.

A representação não refere-se apenas aos outdoors em Porto Alegre, deixa a critério do MPF delimitar a amplitude das medidas que forem tomadas, podendo caber inclusive medidas no âmbito nacional. Após o protocolo, será apreciada pela procuradora-chefe Claudia Vizcaychipi Paim, que vai distribuir o processo para que haja uma tramitação.