Juros negativos do BC são indícios de que economia continua no brejo

Atualizado em 4 de novembro de 2019 às 10:40
 (Arquivo/Agência Brasil)

Publicado originalmente em Os Divergentes

Por  Ivanir José Bortot

Economistas do sistema financeiro estão comemorando a possibilidade do Brasil ter juros negativos em 2020, após o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) indicar novas reduções de taxas. Para os banqueiros é bom, mas para quem está com dinheiro na poupança será um momento de perda patrimonial.

É que o Banco Central, em uma decisão inédita, já antecipou que irá reduzir 0,5% a taxa básica de juros (Selic) na próxima reunião de dezembro e deixou claro que manterá a tendência de queda em 2020. Os juros cairiam para 4,5% em 2019 e devem ficar em 4% ou menos em 2020.

Praticamente igual a inflação. Se for considerado o imposto que é pago pelo poupador nas aplicações financeiras, a rentabilidade será negativa.

O BC está seguindo esta trajetória de juros baixos acreditando que possa estimular a retomada do crescimento da economia. Isto só é possível com a queda da inflação – que é reflexo da redução do consumo, desemprego e perda de renda a população.

Para ilustrar, veja o que diz BC: “O Comitê avalia que a consolidação do cenário benigno para a inflação prospectiva deverá permitir um ajuste adicional, de igual magnitude. O Copom entende que o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela em eventuais novos ajustes no grau de estímulo”.

spread continua alto

A eficácia da redução dos juros, como instrumento de política monetária capaz de tirar a economia do buraco, está sendo questionada no Brasil e em outros países que praticam juros negativos. No nosso caso, o processo de redução de 14,25% dos juros, iniciado em setembro de 2016, para 5% em um intervalo de 3 anos pouco contribuiu para economia crescer no governo do presidente Michel Temer e neste primeiro ano de Jair Bolsonaro.

Os benefícios dos juros negativos para o tomador de crédito é insignificante, tendo em vista os custos dos spreads bancários para quem precisa dinheiro para investir ou adquirir algum bem de consumo. Os banqueiros terão oportunidade de captar recursos com juros negativos e emprestá-lo a terceiros com os mesmos ganhos atuais, e até maiores, com as elevadas e intocáveis margens de intermediação bancária.

Já o poupador – assalariados da caderneta de poupança, aposentado da classe média ou mesmo os ricos – estará tendo perda real de patrimônio. Os bancos, de olho nos recursos que deixarão de ser aplicados em renda fixa, já estão oferecendo aos poupadores aplicações de renda variável, onde não têm compromisso com o ganho do aplicador, mas têm asseguradas taxas de prestação dos serviços elevadíssimas.

Dívida pública estável

Outro grande beneficiado com juros negativos é o Tesouro Nacional. Com uma dívida de R$ 4,1 trilhões, poderá fazer a rolagem de seus papéis com custo menor em cima da poupança dos brasileiros. É uma maneira engenhosa de busca de equilíbrio das contas publicas sem precisar aumentar os impostos ou reduzir as despesas.

Algum economista do governo poderá fazer um gráfico no ano que vem informando que a dívida pública da União, em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB), estará estável. Alguns analistas de plantão do governo dizem que a queda de rentabilidade nos papéis de renda fixa fará com que as pessoas deixem de poupar para consumir. Isso ajuda no aumento do consumo e contribuiu para retomada do crescimento.

Até pode ocorrer, mas com certeza não serão estes consumidores que vão colocar a economia em crescimento, nem aqui ou no Japão, onde os juros negativos são até mesmo para o tomador de crédito. Para o Brasil voltar a crescer é preciso elevar os investimentos, reduzir o desemprego e aumentar o poder de compra das pessoas.

Sem crescimento à vista

O economista André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, publicou recentemente uma análise sobre as limitações do uso das taxas de juros como instrumento de política monetária. Resende alerta que, para o Brasil voltar a crescer, depende de estímulos a economia.

Melhor seria o Banco Central reduzir os compulsórios de depósito a prazo e à vista para diminuir os custos de captação dos bancos. Isto reduziria os custos de intermediação. Além disso, o custo final do dinheiro para o investidor ficaria mais barato.

O que estamos vendo é que a equipe do ministro Paulo Guedes, com justa preocupação, se dedica a reduzir o déficit público e desfazer armadilhas que consomem os recursos públicos, como a previdência. Acreditava-se que, com isto, haveria uma melhora na confiança e o País voltaria a crescer. Mas nada mudou.

O Brasil deve crescer menos do que 1% este ano. O atual governo está sem recursos para investir e criatividade para motivar os empresários a empreender.

A existência de juros negativos em um país carente de poupança interna e externa para financiar as suas necessidades de investimentos deve ser vista como consequência de uma economia que está mais para doente do que saudável. Não há sinal de que estamos no rumo de um crescimento sustentável da economia, especialmente se olharmos os índices de desemprego, ociosidade nas plataformas de produção da indústria e nos índices de consumo.

O mais grave é faltar também credibilidade na capacidade do Governo de levar adiante as reformas no Congresso Nacional. Sem falar nas condições mínimas de governabilidade, devido aos conflitos extravagantes e recorrentes da família Bolsonaro.