Justiça do RJ endossa coquetel-molotov ao censurar Porta dos Fundos. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 8 de janeiro de 2020 às 22:00
Vigilante é surpreendido pelo fogo em ataque à produtora Porta dos Fundos Foto: Reprodução/G1/Vídeo

Publicado originalmente no UOL:

POR LEONARDO SAKAMOTO

Benedicto Abicair, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, determinou a censura do especial de Natal do Porta dos Fundos, ordenando que a Netflix o suspenda de sua plataforma. Dessa forma, o magistrado conclui o trabalho que Eduardo Fauzi — acusado de jogar bombas na produtora, no último dia 24, e, hoje, foragido da polícia na Rússia — tentou, mas não conseguiu.

Em sua decisão, ele disse que a suspensão seria melhor “não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do agravo”. Melhor para a sociedade brasileira é que a Constituição Federal fosse respeitada. E que o Estado fosse tratado como laico. Ou seja, garantindo a liberdade de culto de todas as religiões, mas não privilegiando uma em detrimento das demais.

Para ele, a suspensão deve “acalmar os ânimos”. Mas é papel da Justiça proteger os direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, independentemente de quantas pessoas se exaltem diante deles. Caso contrário, para que pagar altos salários e benefícios a juízes a fim de que garantam o cumprimento das leis? Melhor seria o julgamento de processos por pesquisas de opinião.

“É fato incontroverso que toda ação provoca uma reação, eventualmente de caráter violento que, mesmo sem vítimas físicas, causa indignação por parte de quem a sofreu, seus admiradores ou seguidores”, afirma o desembargador, usando a Terceira Lei de Newton para justificar vingança.

É função das instituições garantir que quem usa violência física contra ideias seja devidamente punido da mesma forma que deve ser punido quem incita a morte e o extermínio de grupos sociais. Por aqui, quando a censura é adotada, vem com um recadinho irônico de que é para a própria segurança do censurado.

A cereja do bolo foi a reclamação de que os humoristas, ao defender seu programa, fizeram… humor. “Ao meu ver, poderiam justificar sua ‘obra’ através de dados técnicos e não agindo com agressividade e deboche. Maior comedimento possibilitaria, talvez, debate em nível mais elevado, sem ferir, acintosamente, suscetibilidades”, afirmou o magistrado.

Eis o problema: desde que o primeiro indígena foi escravizado para carregar a primeira tora de pau-brasil para o porão do navio do primeiro branco sob a benção do primeiro padre cristão é que ouvimos por aqui que críticas sociais não são bem-vindas para não ferir “suscetibilidades”. Nada que questione a ordem e os costumes é aceito. Já discursos presidenciais que renovam antigos preconceitos são aplaudidos por membros dos Três Poderes.

As instituições seguem funcionando normalmente, ou seja, como foram programadas para funcionar.