Kassab usa cunhado de Bolsonaro para ajudar Tarcísio a contornar crise na Alesp

Atualizado em 21 de setembro de 2023 às 12:37
Diego Torres Dourado, o segundo da esquerda para a direita, irmão de Michelle Bolsonaro. Foto: Reprodução/Instagram

Na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), uma disputa intensa está ocorrendo entre o bolsonarismo raiz e o governo liderado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), com implicações significativas. Enquanto isso, o secretário estadual de Governo, Gilberto Kassab (PSD), está emergindo como uma figura chave na articulação política. As informações foram divulgadas pelo TAB UOL.

De acordo com fontes próximas ao governador, Diego Torres Dourado, irmão da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, estava desempenhando um papel informal na comunicação entre o Palácio dos Bandeirantes e os deputados da base. Dourado, que atua como assessor especial do governador, renunciou ao seu cargo em junho após relatos de deputados que alegaram que o secretário da Casa Civil, Arthur Lima, estava bloqueando acordos feitos por Dourado com parlamentares, especialmente aqueles relacionados a nomeações no governo.

Tarcísio de Freitas impediu a saída de Dourado, e este último continua a ocupar seu cargo. Em conversas reservadas, Dourado elogiou o secretário da Casa Civil, reconhecendo sua gentileza e dedicação em auxiliar o governador, mas nunca negou que continue a articular em nome de Tarcísio.

Segundo fontes, Dourado estava envolvido na gestão de perfis bolsonaristas nas redes sociais e foi associado ao acampamento de manifestantes que resultou nos eventos de 8 de janeiro. Ele também está sob investigação da Polícia Federal em relação à venda de joias do acervo presidencial, após a descoberta de mensagens em seu celular. Dourado não concedeu entrevistas quando procurado.

O ressurgimento de Kassab

À medida que a insatisfação cresce, Gilberto Kassab, anteriormente visto com desconfiança pela ala ideológica do bolsonarismo, está ganhando destaque entre os parlamentares tanto da centro-direita quanto da extrema direita, que estão alinhados com o ex-presidente.

Aliados de longa data do presidente Bolsonaro que acompanham de perto o governo Tarcísio passaram a descrever Kassab como um articulador habilidoso e leal. Isso representa uma alternativa ao secretário Arthur Lima, que tem sido alvo de críticas por não atender às demandas dos políticos.

Gilberto Kassab com Tarcísio de Freitas, governador de SP: um ex-ministro de Bolsonaro chegou a defender o nome do ex-prefeito na Casa Civil, no lugar do militar Arthur Lima
Gilberto Kassab e Tarcísio de Freitas. Foto: Reprodução/Twitter

No início do governo, havia receios de que Kassab, ex-aliado do PT e do PSDB, tentasse afastar Tarcísio de Bolsonaro para ampliar sua própria base de apoio e viabilizar uma possível candidatura presidencial de Tarcísio em 2026.

Em uma entrevista, Kassab rejeitou essa ideia de afastamento, enfatizando que o governador Tarcísio foi eleito em uma ampla aliança, com Bolsonaro sendo um grande apoiador. Ele considera as insinuações de que existem duas facções no governo, uma bolsonarista e outra de centro-direita, como “fofocas” e falta de visão política.

Desgaste visível e reclamações na Alesp

Gradualmente, Kassab tem conquistado a confiança dos bolsonaristas. Um ex-ministro de Bolsonaro, sob anonimato, chegou a sugerir que Kassab assumisse a Casa Civil no lugar de Lima, vendo isso como uma solução para os problemas enfrentados pelo governador na Alesp.

As insatisfações se dividem em duas frentes. Deputados da centro-direita reclamam da falta de diálogo com o governo, particularmente com o secretário da Casa Civil, e da não-atendimento de suas demandas, especialmente as relacionadas a nomeações em cargos de segundo e terceiro escalões.

Além disso, há centenas de cargos ainda ocupados por indicações do PSDB ao longo dos 28 anos de domínio do partido em São Paulo. A Casa Civil afirmou que solicitou um levantamento desses cargos aos demais secretários.

O desgaste na relação entre Tarcísio e a base se tornou evidente durante a primeira tentativa de aprovação do aumento das taxas processuais no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em setembro, quando o governo não conseguiu obter quórum na primeira votação.

Em resposta, deputados levantaram questões sobre a necessidade de o governo ouvir mais a classe política, considerando a suposta inexperiência do governador e sua equipe.

Houve também alegações de inabilidade em relação ao aumento das taxas, e a orientação do governo para apoiar o projeto veio no último momento, forçando parlamentares a mudar de posição rapidamente. O projeto foi finalmente aprovado em 5 de setembro.

Tarcísio convocou a base governista para um encontro no Palácio dos Bandeirantes na véspera da votação. No entanto, apenas 47 deputados compareceram, o que é exatamente a metade das 94 cadeiras necessárias para aprovar projetos por maioria simples.

Relatos sugerem que Tarcísio começou a reunião expressando que ainda estava avaliando o estado, o que foi interpretado como uma resposta à demora em atender às demandas da base, especialmente em relação às nomeações.

Durante a reunião, Tarcísio explicou que já havia liberado 80% das emendas impositivas para a base. No entanto, ele teve que lidar com uma série de reclamações de seus aliados.

Um parlamentar sugeriu que, se Tarcísio realmente quisesse entender o estado que governa, deveria dialogar mais com os deputados que têm acompanhado de perto o que acontece nas diversas regiões e setores da administração paulista.

Um termômetro do estado da relação entre o governador e a base pode ser visto nas palavras do deputado Gil Diniz (PL), também conhecido como Carteiro Reaça, um dos representantes mais fiéis do bolsonarismo na Alesp. Em um grupo de WhatsApp da bancada do PL, ele ironizou a reunião, dizendo que sua avó tinha um campeonato de jiu-jítsu da terceira idade no mesmo horário.

Gil Diniz comemora o Dia do Nascituro e destaca os trabalhos da Frente Parlamentar em Defesa da Vida
O deputado Gil Diniz (PL). Foto: Reprodução

Descontentamento da ala ideológica

Gil Diniz tem sido um dos críticos mais contundentes do governador. Quando Tarcísio expressou concordância com 95% da reforma tributária defendida pelo governo Lula, o deputado protestou publicamente. Em julho, ele usou as redes sociais para reclamar que o governo não estava se comunicando adequadamente com os bolsonaristas.

A lista de insatisfações da ala ideológica em relação ao governador é extensa. Ela inclui a cessão do Parque da Água Branca para a realização da Feira Nacional do MST, algo que foi negado por João Doria (PSDB). Além disso, há preocupações em relação à cerimônia no Palácio dos Bandeirantes para sancionar a lei que garante o fornecimento de medicamentos à base de cannabis.

Outras questões que geraram tensões incluem a falta de punição a trabalhadores da Educação que supostamente contrariam a ideologia bolsonarista, o recuo em relação ao uso de câmeras pela Polícia Militar e a mudança não compartilhada com deputados em relação ao aumento de 10% na contribuição previdenciária de policiais. Também houve preocupações sobre a postura de Tarcísio diante das irregularidades em construções de estradas rurais durante a gestão Doria-Rodrigo Garcia (PSDB).

Adicionalmente, a ala ideológica expressou descontentamento com a falta de ações concretas para abordar a situação na Cracolândia e se envolveu em polêmicas em torno do secretário de Educação, Renato Feder, e da indicação de Marco Aurelio Bertaioli para o TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), que foi próximo a Waldemar da Costa Neto, em detrimento de Maxwell Vieira, que era apoiado por André Mendonça.

‘Tensão saudável’ e perspectivas

Pessoas próximas ao ex-presidente Bolsonaro afirmam que sua relação atual com o governador se resume às estadias de Bolsonaro no Palácio dos Bandeirantes. A crise envolvendo o irmão de Michelle Bolsonaro causou desgaste entre os dois, desagradando o entorno do ex-presidente, apesar de Dourado ainda permanecer no Palácio.

O governo respondeu, em nota da assessoria, que mantém diálogo frequente com a Alesp. “Prova disso é que, apenas no primeiro semestre deste ano, a Alesp aprovou o novo salário-mínimo paulista, reajuste salarial para policiais militares e civis e servidores estaduais, autorizou contratação de empréstimo de até R$ 6,5 bilhões para o governo investir na ligação ferroviária entre Campinas e São Paulo, entre outras importantes matérias”, diz a nota.

No entanto, deputados da base alertam que a falta de articulação política pode prejudicar projetos fundamentais no segundo semestre, como o repasse de 5% do orçamento da Educação para a Saúde, a reforma administrativa e a privatização da Sabesp.

De acordo com Kassab, a ansiedade é natural entre os parlamentares em relação ao novo governo, que inclui mais de 10 partidos. Ele descreve essa tensão como saudável e defende a atuação de Arthur Lima, enfatizando que o secretário da Casa Civil tem se dedicado ao trabalho.

O líder do governo na Alesp, Jorge Wilson (Republicanos), conhecido como Xerife do Consumidor, também defendeu o secretário, afirmando que a Casa Civil está cumprindo seu papel e que o governo está mais bem ajustado para atender às demandas

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