Kataguiri e Fernando Holiday são processados por mentira em “reportagem” e Justiça manda MBL tirar do ar imagens de defensora pública

Atualizado em 26 de fevereiro de 2019 às 19:40
Kataguiri e Holiday, do MBL

POR VINÍCIUS SEGALLA

O MBL (Movimento Brasil Livre) e dois de seus dirigentes nacionais, deputado federal Kim Kataguiri (DEM/SP) e vereador de São Paulo Fernando Holiday (DEM), estão sendo processados pela defensora pública Federal Martina Silva Correia (com patrocínio da Associação Nacional de Defensores Federais – Anadef) desde o dia 8 deste mês, sob a acusação de propagar na internet mentiras e ofensas contra a servidora e, também, contra a própria Defensoria Pública da União.

Nesta terça-feira, 26, a Justiça de São Paulo atendeu a um dos pedidos da autora, em caráter liminar (provisório e urgente), determinando que o MBL retire da internet as imagens que publicou da defensora, junto com as supostas ofensas.

Quanto aos demais pedidos incluídos no processo, o da retirada do ar de todo o texto considerado ofensivo e inverídico que o grupo divulgou na forma de “reportagem” do MBL News, bem como a condenação por danos morais e o pagamento de uma indenização de R$ 50 mil, serão julgados pela 13ª Vara Cível de São Paulo após Kim e Holiday serem ouvidos, dentro de um prazo de 15 dias.

Entenda o caso

A defensora pública protocolou a ação judicial por causa de um texto do MBL cujo título é “Defensoria Pública se recusa atender cidadão deficiente e sofre ação pelo MPF. O caso é impressionante e uma chacota contra o cidadão brasileiro”. Até a publicação desta reportagem, ainda podia ser lido neste link.

Antes de qualquer coisa, a chamada “reportagem” impressiona negativamente por sua falta de qualidade técnica. O texto, de seu início até quase o final, é uma cópia mal editada de uma petição judicial de autoria do Ministério Público Federal, que buscava exigir na Justiça que a Defensoria Pública da União atendesse a um aluno com necessidades especiais (deficiência visual) que buscava que lhe fossem fornecidas as condições necessárias para que pudesse prestar o Enem.

Da maneira como o MBL a editou, é praticamente incompreensível. O primeiro parágrafo, que deveria levar ao leitor o entendimento geral do assunto abordado, é o que segue:

“O Ministério Público Segundo Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), Procuradoria-Geral de Santo Ângelo – RS, Dionízio Maciel da Silva, pessoa pobre e com deficiência visual grave, não conseguiu acompanhamento adequado quando da conquista de vaga pelo ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) no IFFAR (Instituto Federal Farroupilha, Campus Santo Ângelo), correndo, portanto, risco de não lograr êxito e nem desempenho esperado em matérias pela ausência de acompanhamento especial que deveria lhe ser prestada pela Instituição.”

Como se nota, trata-se de uma cópia infeliz de uma petição judicial, tentando fazer as vezes de texto jornalístico. O tema em questão é o seguinte: o MPF-RS solicitava perante a Justiça que a Defensoria Pública da União no Rio Grande do Sul defendesse judicialmente um aluno do município de Santo Ângelo. É que ele tem deficiência visual grave e lutava na Justiça para obter um tratamento especial para que pudesse realizar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Queria que a DPU-RS o representasse judicialmente.

A Defensoria, por sua vez, apresentou no processo uma série de alegados motivos para não ser capaz de representar o aluno na questão. O processo judicial ainda corre na Justiça Federal no Rio Grande do Sul.

Mas qual a relação deste litígio no Sul do país com a defensora federal Martina Silva Correia, que atua na cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo? A resposta: nenhuma. Mas o MBL não entendeu assim.

É que o grupo de Holiday e Kataguiri usou o caso acima como pretexto para tecer juízos de valor sobre a instituição Defensoria Pública, fazendo uso da imagem e de informações pessoais de Correia para tentar sustentar sua tese: a de que a Defensoria é um órgão composto por servidores que gozam de privilégios demais e que não realiza seu trabalho como deveria. Diz a matéria do MBL News:

“São os privilégios sem limites ante ao descaso com a coisa pública e a não entrega da prestação do serviço estatal. O caso é impressionante e uma chacota contra o cidadão brasileiro”.

É neste ponto que a defensora federal de Guarulhos entra no caso. Para sustentar sua tese de que os defensores públicos são servidores privilegiados, que não fazem seu trabalho direito e ainda se locupletam com o mau uso dos recursos públicos, eles foram à página no Instagram de Correia, e publicaram em sua “reportagem” duas postagens da defensora, com o seguinte título acima delas: “Instagram de Martina Correa com autorização do trabalho no exterior”.

Então, de acordo com o que publicou o MBL News, as imagens acima mostram que:

1 – A defensora em questão tem autorização para trabalhar de casa ou de onde quiser, inclusive de fora do Brasil, como provariam as imagens acima.

2 – Se uma defensora como Marina Correia pode trabalhar de qualquer lugar, a DPU-RS deveria ter atendido o rapaz com deficiência visual em Santo Ângelo, mesmo não possuindo representação no município em questão, conforme alegou em ação judicial.

Por fim, concluiu a reportagem do MBL News:

“Enquanto alguns servidores públicos privilegiados tem (SIC) autorização para estarem em férias contínuas pelo mundo, casos de evidente ostentação e escárnio ao povo sofrido que vive no país, inexiste Defensores efetivos em Subseções lançadas ao país, em algumas regiões, que deveriam prestar auxílio jurisdicional em casos tão, ou mais, graves que os de Dionízio. Não a toa (SIC) que a classe dos servidores tem o repúdio pela sociedade (SIC).”

Para chegar a tais conclusões, a “reportagem” do grupo de Holiday e Kim jamais buscou esclarecimentos junto à defensora federal de Guarulhos. Se assim tivesse procedido, não teriam qualquer desculpa para explicar a desinformação que prestaram.

É que a primeira imagem, que mostra a defensora “em casa, mas na audiência”, é de um domingo (27 de janeiro deste ano), quando é permitido por lei a defensores, promotores e advogados realizar as audiências em esquema de plantão, por videoconferência, de casa ou de onde bem entenderem, conforme a própria defensora explica, na ação judicial que move contra os parlamentares do MBL:

“Todavia, a Autora retratou, por via do seu instagram pessoal, a excepcionalidade daquele domingo de manhã: fazia audiência de custódia em regime de plantão, por videoconferência. Frise-se que o Procurador da República também participou da audiência de sua residência, por videoconferência, conforme prática comum do Tribunal Regional Federal da 3ª Região durante os plantões”.

No processo que move contra Kim e Holiday, a defensora anexou uma cópia integral da postagem, mostrando a sua data, que foi retirada da imagem na publicação do MBL News:

Quanto à segunda imagem utilizada, são fotos aleatórias da defensora federal, tiradas fora de seu horário de trabalho, muitas delas em períodos de férias, que em nada podem ajudar a sustentar a exótica tese do MBL, de que os defensores federais “tem (SIC) autorização para estarem em férias contínuas pelo mundo”.

Agora, Kim e Holiday, que não foram encontrados pelo DCM para comentar o caso até a publicação desta reportagem, têm 15 dias para explicar na Justiça por que acham que não devem ser condenados a pagar indenização por danos morais, e por que acham que este tipo de “reportagem” é compatível com o padrão de qualidade que consideram aceitável para algo que se pretende chamar material jornalístico.