Kátia Abreu x Miriam Leitão: por que a senadora venceu o debate com a Globo. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 4 de setembro de 2018 às 9:59
Miriam Leitão e Kátia Abreu

A Globonews tem um formato de entrevista com candidato nestas eleições que talvez não encontre paralelo na imprensa do mundo civilizado. São seis entrevistadores, mais um mediador que é funcionário da empresa, contra o candidato.

Na busca por espaço que permita fazer chegar aos eleitores sua mensagem, os candidatos se submetem a esse modelo peculiar de sabatina. Alguns candidatos se saem bem, outros não. Até agora estão se saindo melhor quem não se deixa intimidar.

Ontem à noite, a senadora Kátia Abreu, vice na chapa de Ciro Gomes, venceu os jornalistas que se colocaram não como quem quer esclarecer o eleitor, mas bombardear o candidato com perguntas agressivas, capciosas e, muitas vezes, desnecessárias.

Kátia Abreu, que foi ministra da Agricultura do governo de Dilma Rousseff e presidente da Confederação Nacional da Agricultura durante seis anos, apontou a fragilidade das perguntas dos jornalistas da Globo e demonstrou que a quantidade de perguntadores não assegura a qualidade jornalística.

Miriam Leitão foi quem mais apanhou.

A jornalista foi a primeira a perguntar e tentou apontar uma contradição de Kátia, ao perguntar por que ele defendia produtores rurais acusados de trabalho escravo.

A senadora disse que não defende, apenas é contra a divulgação de listas com nomes de autuados por trabalho escravo antes que haja condenação e citou um exemplo doméstico.

Um parente apareceu em uma dessas listas, ele era servidor público federal, pediu demissão e teve crise de depressão.

Mais tarde, se verificou que a situação não era bem a que foi descrita pelo fiscal, ele foi absolvido e o fiscal, em outro caso, demitido a bem do serviço público por corrupção.

Miriam insistiu tentando associar Kátia à defesa do trabalho escravo.

Kátia não aceitou:

“Isso é o que você acha, o meu pensamento é diferente. Sou contra o trabalho escravo, acho que os trabalhadores bem tratados, bem cuidados, com água potável, condições de sobrevivência, de habitação. Eu brinco muito com meu filho, quando ele diz: mãe. Agora não, que ele já está um homem, já está mais experiente. Ele dizia assim: “Mãe, isso pode, isso não pode?” Eu dizia: “Filho, é o seguinte. Tudo que lhe perguntarem: você pensa se a Duda poderia estar nesta condição, que é a filha dele, minha neta. Então, se a Duda pode tomar essa água, então qualquer um pode. Se a Duda pode dormir aqui, qualquer um pode. Então, troque de lugar e coloque a sua filha nestas condições”.

Andrea Sadi perguntou por que Kátia foi contra punição para jornada exaustiva.

Kátia disse que não foi contra punição por jornada exaustiva e colocou o dedo na ferida da Globo, que responde a muitos processos na justiça por descumprimento de normas trabalhistas.

“Depende. Jornada exaustiva. Eu pergunto a você. Quantas horas você trabalha, numa terça ou quarta-feira, numa sessão do Congresso Nacional? Você trabalha 8 horas ou você trabalha 12 ou até 15 horas, quando a votação vai madrugada adentro?

“Estou falando de trabalho escravo, senadora”, respondeu Andrea.

“Não, não, você falou jornada exaustiva”, comentou Kátia, sem se deixar intimidar.

“Jornada exaustiva para um trabalhador é a mesma coisa para qualquer trabalhador. Ela é inadmissível. As pessoas não podem ser escravizadas nem pela imprensa, nem pela Rede Globo, com todo respeito, nem exigir de um trabalhador jornalista que ele vá madrugada adentro, sem ter o seu horário observado. E na roça também não pode. Por isso, votei contra a reforma trabalhista.

Merval Pereira, o jornalista mais identificado com os patrões juntamente com Miriam Leitão, interferiu:

“Senadora, a gente não anda a cavalo nem pega em enxada. A comparação que a senhora fez é indevida.”

Miriam também saiu em defesa dos patrões:

“A gente não está sob risco de trabalho escravo, pode ficar tranquila em relação a nós. A gente está falando de trabalhador no campo, trabalhador exposto realmente.”

Kátia enfrentou os dois:

“É uma questão de semântica, jornalista. Na verdade, jornada exaustiva, segundo a OIT, ela não é exclusiva dos trabalhadores rurais. Ela é para todos os tipos de trabalhadores.”

Ela lembrou que votou contra a reforma trabalhista, que retirou direitos dos empregados, reforma que foi enfaticamente defendida pela Globo.

Merval, mais tarde, fez uma pergunta capciosa:

“A senhora tem uma confiança cega no presidente do seu partido, como disse que tem o candidato Ciro Gomes?”

Kátia respondeu:

“Não sei o que isso possa interessar ao povo brasileiro. O povo brasileiro não sabe nem quem é o Lupi (Carlos Lupi)”.

A discussão prosseguiu e Kátia falou que a idoneidade de Lupi não era um problema para a campanha – “confio nele, não tem nenhum processo criminal, nenhuma condenação”.

Merval arregalou os olhos:

“Eu não perguntei sobre idoneidade. Eu perguntei se a senhora tem uma confiança cega no presidente do seu partido”.

Em seguida, gaguejando, Merval solta o veneno:

“Os fiscais que a senhora está criticando era do Ministério do Trabalho de que ele era o ministro”.

E aí Kátia é pedagógica na resposta. Tenta ensinar sobre a natureza do serviço público.

“Os fiscais foram aprovados em concurso. Não foi o Lupi que colocou eles lá, não”, disse.

“A orientação é do ministro”, insistiu Merval.

“Não, não. Quer dizer que o ministro vai orientar um fiscal do trabalho a ser corrupto no Tocantins?”

Merval interrompe:

“Ser corrupto não? A cumprir normas.”

Kátia Abreu, didática:

“Não, não, a fiscalização não tem orientação geral, como o patrão privado que manda e desmanda no servidor quando quer. No serviço público, tem método, tem rotina, tem portarias, e tem leis a serem cumpridas. Não é o que o ministro quer que faça. Inclusive, esse fiscais têm autonomia completa do Ministério do Trabalho, assim como auditores fiscais.”

Merval, com os olhos arregalados, teve oportunidade de aprendeu um pouco sobre o serviço público

Merval joga a toalha e Miriam vai para cima:

“Candidata, a senhora sempre foi solidária a quem foi acusado de desmatamento. A senhora mesmo foi acusada de desmatamento ilegal em 2004, se não me engano”, começa.

Kátia interrompe:

“Eu acusada de desmatamento ilegal? Não, nunca fui. Sinceramente. Na vida. Eu não tenho nenhum pedido de desmatamento.

“Foi anistiada depois do Código Florestal”, retruca Miriam.

“Não, senhora. Me desculpe. Eu nunca entrei com um documento em nenhum órgão ambiental pedindo licença para desmatamento. Você está equivocada. Jamais eu pedi alguma licença. Não porque seja contra. Porque no Código Florestal, mesmo antes de ser mudado, de 1965, ele já tem um artigo e não foi alterado, que permite legalmente alguém pedir desmatamento”, explica.

Miriam, impaciente:

“Eu gostaria de terminar a minha pergunta. Então tá. A senhora não fez, mas a senhora sempre foi solidária a quem desmata. E mais do que isso. A senhora sempre teve uma relação conflituosa com os ambientalistas e disse uma vez ao The Guardian isso era elogio”.

A senadora interrompe também:

“Assim como, da mesma forma, a senhora me diz que sou solidária aos produtores rurais, a senhora é sempre radicalmente solidária aos ambientalistas sem dar oportunidade aos produtores rurais de conversar.

Miriam é obrigada a se explicar:

“Não, a senhora está enganada. Eu visito bastante os produtores, os bons, os bons produtores. Tem muitos.”

Kátia rebate:

“Então a senhora me acha uma produtora terrível porque, enquanto fui presidente da CNA por seis anos, eu já cheguei a implorar para ter audiência com você e explicar o nosso lado, e você nunca nos recebeu.”

Miriam, agora na defensiva:

“Eu gostaria de fazer a minha pergunta.”

E Kátia explica por que fala:

“Claro que sim. Você está me colocando em cheque e eu também quero perguntar a você por que a senhora nunca permitiu.”

Miriam, na famosa desculpa para a agressividade, como se jornalista pudesse ser descortês:

“Pois é… eu não sou candidata.”

E Kátia não se dá por vencida:

“O fato de eu ser candidata, Miriam, não lhe dá o direito de fazer perguntas tão fortes e tão acintosas, e eu ter que ficar em silêncio. Você me desculpa. Foi tem a autoridade de ser uma pessoa da Rede Globo, muito bem respeitada no país.”

“A senhora não me deixa perguntar”, interrompe Miriam.

Kátia prossegue:

“Mas isso não lhe dá o direito de me afrontar. E eu tenho o direito de responder.”

“Foi uma pergunta…”, comenta Miriam.

“Não, não foi. Você disse que sou solidária a quem desmata e eu disse que você sempre foi solidária aos ambientalistas de forma muito radical.”

Miriam tenta mais uma vez:

“A senhora disse ao The Guardian que críticas aos ambientalistas é elogio, que isso indica que a senhora está no caminho certo. O caminho certo seria então o desmatamento. Agora eu posso perguntar: o que se pode esperar do governo Ciro, se vocês forem eleitos, na área ambiental, com essa sua relação tão conflituosa com o meio ambiente?”

Kátia começa respondendo:

“Não, eu não tenho relação conflituosa com o meio ambiente. Eu poderia dizer que você tem uma relação conflituosa com os produtores rurais.”.

Miriam debate, como se fosse candidata:

“Não tenho, não”.

A candidata a vice na chapa de Ciro dá a palavra final:

“Você tem, sim.”

Mais tarde, Miriam tentou ouvir de Kátia críticas a Dilma Rousseff, mas não conseguiu. Kátia disse que houve erros na condução da política econômica, sim, mas, quando a então presidente tentou corrigir, Michel Temer e Eduardo Cunha já tinham decidido pelo impeachment (poderia dizer golpe, mas não disse) e inviabilizaram o governo, com pautas bombas.

Miriam ouviu calada.

No fundo,  a jornalista sabe que o movimento que inviabilizou o governo de Dilma teve o apoio da Globo.

Se os veículos da Globo se comportam como partido político, devem ser tratados como partido político.

Foi assim que Kátia Abreu fez.

Se tudo o que disse está correto, é outra discussão. Mas, ao não ter um comportamento submisso à Globo, ela se saiu muito bem.