“Lamento que o sítio foi usado para acusar meu filho e meu amigo”: o depoimento de Jacó Bittar ignorado por Moro. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 6 de fevereiro de 2019 às 17:45
Lula e Jacó Bittar na fundação da CUT: amizade de 40 anos

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Jacó Bittar é uma testemunha central para elucidar o caso do sítio de Atibaia, que o Ministério Público Federal atribui a Lula.

Mas, no dia 18 de junho, Sergio Moro decidiu não tomar o seu depoimento.

O juiz considerou que o depoimento é de “duvidosa relevância” e invocou razões humanitárias. “Não seria viável (ouvi-lo) sem expor o depoente a risco ou a constrangimento”, afirmou.

É que Jacó Bittar, com quase 78 anos de idade, tem mal de Parkinson e quase não sai de seu apartamento, em São Vicente, no litoral de São Paulo.

A defesa de Lula sugeriu que fosse aceito um depoimento dele por escrito, mas os procuradores não concordaram, sob a alegação de que não poderia haver contraditório.

Como não?

Bastava aos procuradores encaminharem as perguntas por escrito, que elas seriam respondidas. É assim que funciona o depoimento por escrito, tomado em condições excepcionais.

Apesar de Moro cancelar o depoimento, a defesa de Lula obteve uma declaração pormenorizada de Bittar, prestada a um escrivão que foi à sua residência (mais abaixo, a íntegra).

O depoimento ao escrivão, que tem fé pública, foi juntado ao processo.

“Ciente de sua responsabilidade civil e penal”, Jacó contou como teve a ideia de comprar o sítio de Atibaia, que foi registrado no nome do filho, Fernando.

Ele queria um local próximo de São Paulo, para que fosse frequentado por ele, os filhos e os amigos.

“Desde o início, minha ideia era que o Lula e a Marisa frequentassem o sítio com total liberdade, assim como os meus filhos”, disse.

Jacó tinha dinheiro para comprar o sítio?

“Para a compra do sítio em Atibaia, eu fiz uma doação para o Fernando de um valor que recebi por causa da anistia política. Isso também está declarado”, assinalou.

Na verdade, Fernando recebeu cerca de 500 mil reais, pagos por uma das matrículas da propriedade, a que tem a casa e outras benfeitorias.

A outra parte do sítio, bem maior, área de mata, tem registro em outra matrícula, no valor de 1 milhão de reais, e foi comprada por Jonas Suassuna, sócio de Fernando Bittar.

Jonas teria feito a compra como investimento, e para atender a um pedido do filho de Jacó, já que o proprietário na época, Adalton Santarelli, se recusava a vender apenas uma parte da propriedade.

Comprado o sítio, conta Jacó, ele acertou com Marisa que parte do acervo presidencial seria levado para lá.

Lula mora num apartamento em São Bernardo do Campo que não é grande o suficiente para guardar os presentes que recebeu enquanto estava na presidência.

Não eram coisas valiosas, mas que um presidente deve receber com frequência: garrafas de vinho, por exemplo. Vinhos bons, mas nenhum Romanée-Conti.

Muitas caixas foram levadas para lá e um galpão foi levantado para servir como adega improvisada.

Nesse local, não havia climatização, como exige a guarda de vinhos. As garrafas foram colocadas em caixas de madeira, e ficaram lá.

No réveillon de 2010 para 2011, já com Lula fora da presidência, as duas famílias foram juntas para o Forte dos Andradas, no litoral de São Paulo, dependências que pertencem ao Exército, a convite do então ministro da Defesa, Nélson Jobim.

Depois de 15 dias juntos, foram todos para o sítio, que, segundo ele, Lula desconhecia.

“Pelo que sei, o Lula só ficou sabendo da existência do sítio nessa oportunidade, pois a Marisa dizia que queria fazer uma supresa para ele sobre a existência desse lugar que foi concebido para que nossas famílias frequentassem juntas, aliás, como sempre aconteceu nas nossas vidas”, narrou ao tabelião.

Lula e Jacó estavam juntos na Forte dos Andradas, 15 dias. Pode-se duvidar da palavra de Jacó, mas é impossível negar que as duas famílias eram mesmo muito próximas.

Parece estranho que Jacó Bittar comprasse o sítio com o objetivo declarado de compartilhar com a família de Lula.

Estranho para quem não conhece a relação de Jacó e Lula. Ele mesmo conta:

“Conheci Luiz Inácio Lula da Silva em 1978. Naquela época, ele era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e eu era presidente do Sindicato dos Petroleiros de Campinas. Fundamos juntos o Partido dos Trabalhadores em 1980. (…) nos tornamos grandes amigos e nossas família convivem intensamente desde então. Frequente muito a casa de Lula com Theresa (sua ex-mulher) e com os meus filhos, assim como ele, a Marisa e os filhos frequentaram a minha casa, tendo o Fábio (filho de Lula) chegado a morar comigo algum tempo em Sousas. Tenho os filhos de Lula como se fossem meus próprios filhos e sei que ele tem o mesmo sentimento em relação com meus filhos”.

Uma das demonstrações de apreço de Lula e Marisa pela família de Jacó  é que o neto deste, Guilherme, filho de Fernando Bittar, foi levado várias vezes para os palanques dos eventos oficiais da presidência, e ficou com o primeiro-casal.

Marisa no sítio, com o neto de Jacó Bittar, Guilherme

Lula tem um jeito peculiar de se relacionar com amigos, incompreensível para a maioria das pessoas. O ex-presidente costuma alargar o conceito de família.

No livro “A Verdade Vencerá”, Lula conta que teve três sogras: a da primeira mulher, que faleceu, a do primeiro casamento da Marisa, que também era viúva quando casou com Lula, e a mãe da Marisa.

Rindo, contou durante a entrevista que é a base do livro:

“Eu sou um cara tão bom que tratava como sogra a mãe do ex-marido da Marisa, e ela morou comigo; então, eu tive três sogras”.

Uma dos indícios que o Ministério Público utiliza para acusar Lula de ser o proprietário de fato do sítio em Atibaia é que ele passou muito tempo na propriedade, entre 2011 e 2016.

Os procuradores somaram o número de vezes que os carros da segurança de Lula passaram pelo pedágio do rodovia Fernão Dias no período: 540. Como tem pedágio na ida e na volta, chegaram à conclusão equivocada de que Lula foi  270 vezes para o sítio nesse período.

Não levaram em consideração que os seguranças oficiais têm turnos de trabalho e, num feriado, por exemplo, depois de 36 horas, são rendidos por outra equipe, que se desloca em outro carro.

Jacó explica que, num período, Lula praticamente morou no sítio.

“Quando o Lula teve o câncer, em 2012, oferecemos o sítio para ele fazer o tratamento e ele passou longos períodos lá. Eles sempre me ligavam do sítio para contar como ele estava. Nessa época, eu já ia menos ao sítio por causa do aumento da minha dificuldade de andar e de subir ladeiras e escadas”, relatou.

Ele conta que Fernando pensou em vender sua parte do sítio — a outra continuaria com Jonas Suassuna. “Isso gerou uma briga na nossa família”, disse.

“Combinei com o Fernando que somente venderíamos se precisássemos realmente do dinheiro e que o Lula teria uma preferência na compra”, afirmou.

Por fim, registrou no depoimento:

“As idas frequentes e bem vindas do Lula e da Marisa são decorrentes de uma amizade iniciada há quatro décadas e do relacionamento íntimo que temos. Lamento profundamente que esse sítio tenha sido utilizado para acusar o meu filho e o meu amigo”.

O depoimento de Jacó foi anexado ao processo sob a condução de Moro no dia 20 de junho.

Pode-se duvidar de Jacó Bittar, mas esta é uma história com começo, meio e fim, diferentemente da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, cheio de ilações e nenhuma prova.

Jacó tem a seu favor o registo no IR da doação que fez ao filho já em 2011, muito antes da PF e procuradores  baixarem em Atibaia para tentar, sem êxito, conseguir alguma declaração ou prova de que Lula é o proprietário do sítio Santa Bárbara.

Selfie de Fernando Bittar, com Lula, Marisa e Fábio

 

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Publicado originalmente em julho de 2018.