Lava Jato poupou a Globo depois que João Roberto Marinho prometeu publicidade de graça a Dallagnol. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 24 de novembro de 2020 às 8:37
Moro recebe um prêmio da Globo com João Roberto Marinho à sua esquerda: sintonia

O livro sobre a Vaza Jato escancara uma relação antiética entre o jornalista Wladimir Neto e os procuradores da Lava Jato, na medida em que ele presta uma espécie de consultoria informal a Deltan Dallagnol.

Mas, nessa sociedade informal entre a Globo e a força-tarefa, que contribuiu decisivamente para demonizar a política e abrir espaço para o bolsonarismo, Neto está longe de ter sido o único do grupo de comunicação a ajudar a Lava Jato.

E o apoio mais importante não vinha de repórteres, mas da cúpula.

Um dos três donos da emissora, João Roberto Marinho entregou em 2015 o Prêmio Faz a Diferença para Sergio Moro.

O então juiz foi considerado a Personalidade do ano de 2014.

Na entrega, João Roberto Marinho estava acompanhado do diretor de redação de O Globo na época, Ascânio Seleme.

Outro que ajudou a Lava Jato foi Joaquim Falcão, que dirigiu a Fundação Roberto Marinho dos anos 80 até 2000.

Ele levou para sua casa Deltan Dallagnol para um encontro clandestino com João Roberto Marinho. Dallagnol é quem relata, segundo chat vazado para o Intercept e publicado em seu livro:

“Caros, esqueci de contar algo importante… Na correria, passou. Mas tem que ficar restrito. Almocei na quarta com João Roberto Marinho. É ele quem, segundo muitos, manda de fato na Globo. Responsável pela área editorial do grupo. A pessoa que mais manda na área de comunicação no país. Quem marcou foi o Joaquim Falcão. Para evitar repercussão negativa, foi na casa do Falcão. Falei do grupo, do trabalho e das medidas. Falei da guerra de comunicação que há no caso. Ele ouviu atentamente e deu seu apoio às 10 medidas. Vai abrir espaço de publicidade na Globo gratuitamente.”

A data do encontro é 27 de novembro de 2015. Alguns meses depois, a Lava Jato encontra a Globo fortuitamente nos papéis da Mossack Fonseca em São Paulo.

Em papel manuscrito, aparece o nome de Paula Marinho, filha de João Roberto, como da autora da ordem para pagar pela manutenção de empresa offshore no Panamá.

O nome da empresa aparece em processos antigos que tramitam na Justiça Federal em Angra dos Reis, sem desfecho.

São dois processos, um civil e outro criminal, que buscam responsabilizar os proprietários de uma mansão construída na praia de Santa Rita, Paraty, em clara violação das normas ambientais.

Quem usufrui do imóvel é a família de Paula Marinho, inclusive fechando o acesso dos turistas à praia, que é pública.

Mas a propriedade está em nome da offshore panamenha. Os papéis encontrados no escritório em São Paulo seriam a prova de que, por trás da offshore, está a filha de João Roberto Marinho.

Mas, até onde se sabe, essas provas encontradas pela Lava Jato nunca foram encaminhadas à Justiça Federal em Angra dos Reis.

E os responsáveis pela Mossack Fonseca foram liberados um dia depois da prisão em Curitiba.

Mais tarde, se soube que a Mossack Fonseca não tinha nada que incriminasse Lula no caso do triplex do Guarujá, mas guardava os segredos do triplex de Paraty.

Portanto, quando se relaciona a inação da Lava Jato no caso da Mossack/Triplex de Paraty com o encontro de Dallagnol com João Roberto Marinho, se está diante de um escândalo, talvez ilegalidades.

É que, como Dallagnol conta aos amigos, a Globo divulgaria a campanha de Dallagnol pelas 10 Medidas contra a Corrupção como publicidade, e de graça.

Quanto custa uma campanha dessas na TV Globo?

Dallagnol, portanto, se beneficiou da parceria com uma empresa privada, enquanto um dos donos da Globo foi claramente beneficiado pela investigação.

Poderia se estar diante de prevaricação ou até, no limite, corrupção passiva.

Outra contribuição que a Globo deu ao projeto de poder da Lava Jato — que desembocou em Bolsonaro, insista-se — foi por meio da pena de Joaquim Falcão.

Em abril de 2018, quando o STF tinha maioria para conceder a Lula o HC que evitaria sua prisão, o Globo fez campanha pela prisão do ex-presidente.

E conseguiu reverter o voto da ministra Rosa Weber, que era contra a prisão antes do trânsito em julgado, mas votou a favor no caso de Lula, em nome da “colegialidade”.

Quem deu o argumento a ela foi Falcão, num artigo publicado em O Globo. O título do artigo era um trocadilho pobre, “Equilíbrio, por favor. Em nome da Rosa.”

João Roberto Marinho prestigia o lançamento de livro do amigo e parceiro Joaquim Falcão

Ocupante de uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, Falcão dizia que Rosa não mudaria a jurisprudência do STF no julgamento de um HC.

Ele omitiu que a tal “jurisprudência” pela prisão a partir de decisão de segunda instância tinha sido criada no julgamento de outro HC.

No final das contas, violando a própria consciência (inaceitável, no caso de um magistrado), Rosa Weber votou como queria Falcão.

A Globo era sócia da Lava Jato, como se sabe, mas o empenho pela condenação e prisão de Lula parece atender a interesses muito maiores do que os editoriais.

O resultado concreto é que, com Lula tirado de circulação e proibido de se candidatar e de dar entrevista na época, a eleição foi o presente que Lava Jato e Globo deram a Jair Bolsonaro.