Lava Jato violou a Constituição, destruiu a economia e empoderou Bolsonaro: quando prestará contas de seus crimes?

Atualizado em 18 de agosto de 2019 às 10:04
Procuradores da Lava Jato

A revelação dos novos chats secretos de Deltan Dallagnol confirma a série de reportagens que o DCM publicou há mais de um ano, sobre os furos e os abusos no processo sobre o sítio de Atibaia.

Para ler as reportagens, clique aqui.

Os chats mostram que Deltan tinha uma ideia equivocada sobre a relação do caseiro, Élcio Pereira Vieira, o Maradona, com o proprietário do sítio.

Apostava que Maradona era corrupto.

“Vcs checaram o IR de Maradona? Não me surpreenderia se ele fosse funcionário fantasma de algum órgão público (comissionado)”, disse, por meio do Telegram. “Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal.”

Roberto Leonel era o responsável pela área de inteligência da Receita Federal em Curitiba e se tornou do círculo de confiança de Dallagnol e também de Sergio Moro, que o levou para a presidência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) tão logo assumiu o Ministério da Justiça, no governo Bolsonaro.

Leonel era, em outras palavras, um tentáculo da Lava Jato na Receita Federal.

E, como se pode concluir a partir de suas mensagens a Dallagnol, Leonel transitava pela tênue linha que separa a legalidade da ilegalidade.

Em outro caso, o atual presidente do Coaf contou que sua relação (promíscua) tinha despertado a suspeita de um superior hierárquico:

“Ele quis saber pq fiz etc e se tinha passado está inf a vcs”, disse Leonel. “Disse q NUNCA passei pois não tem origem ilícita suspeita !!! Por favor delete este assunto por enquanto”, relatou a Dallagnol.

Tanto Leonel quanto Dallagnol e sua turma investigavam pessoas, não fatos, o que é uma perversidade jurídica, o embrião de todos os abusos.

Fatos criminosos é que devem ser investigados e, a partir daí, identificar e descrever autoria.

Investigar pessoa para verificar se ela cometeu algum ilícito é próprio de sistemas autoritários, em que não há garantias constitucionais e todos estão sujeitos ao arbítrio dos investigadores — o que é, na essência, a doutrina da Lava Jato.

No caso de Maradona, se deram mal. O caseiro é um funcionário antigo do sítio Santa Bárbara.

Pelo que contam os vizinhos, com quem conversei, está lá desde que os donos eram Adalton e Neusa Emílio Santarelli, há cerca de quinze anos.

Ele veio de Brumadinho, na Bahia, e ganhou o apelido Maradona por ser bom de bola, um craque nos torneios de várzea da região.

Era jardineiro, morava com o irmão mais velho, até que foi contratado para cuidar do sítio, um refúgio de fim de semana dos Santarelli.

Quando o casal vendeu a propriedade para Fernando e Jacó Bittar, ele foi convidado a permanecer na propriedade.

Nunca foi funcionário público, como suspeitava Dallagnol. Nem sequer prestou serviço para alguma prefeitura.

Por conta de seu trabalho no sítio, ele e a família foram alvo da violência da Lava Jato.

Fotos pessoais apreendidas pela Polícia Federal e pelos procuradores foram vazadas para a imprensa.

Em uma, aparecia até a mãe, que ficou traumatizada por ter o rosto divulgado no Brasil todo, como se fosse criminosa.

Januário Paludo, o veterano dos procuradores, tirou a cunhada de Maradona de dentro de casa, na zona rural de Atibaia, e a levou para depor, juntamente com o filho de 8 anos, na sede do sítio de Atibaia.

Queria que ela disse algo para incriminar Lula, já que tinha prestado serviço como faxineira.

Vídeo divulgado pelo DCM mostra a criança com os olhos arregalados de medo enquanto a mãe é interrogada.

A ideia, ao que tudo indica, era tentar demonstrar que o sítio pertencia a Lula.

A revelação desse abuso obrigou Moro e pedir explicações do Ministério Público Federal.

O MP deu explicações com incrível desfaçatez: disse que não podia afirmar se a criança estava presente no depoimento.

Era só ver o vídeo do depoimento para constatar que a criança estava lá, com expressão de medo.

A cunhada de Maradona nunca foi chamada para dar sua versão nesse suposto procedimento para investigar o caso.

Corregedoria do MP se movimentou? Pausa para gargalhada.

O corregedor da época, como mostrou a Vaza Jato no episódio das palestras, funcionou como advogado de Dallagnol.

A turma de Dallagnol, com Paludo na linha de frente, não conseguiu arrancar da cunhada de Maradona a declaração de que era a família de Lula quem pagava a diária da faxina.

Lula era apenas hóspede, como contou. O patrão era Fernando Bittar.

Isso não impediu que a Lava Jato vazasse a fake news de que o ex-presidente era proprietário de fato do sítio e, mais tarde, fizesse constar essa mentira na denúncia que levou à segunda condenação de Lula, num processo conduzido por juiz parcial, Sergio Moro, e sentenciado por sua substituta, a agressiva Gabriela Hardt (“Se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”, frase que a honestíssima Michelle Bolsonaro adora).

Sem provas, restou o testemunho do co-réu Léo Pinheiro, corrupto confesso, sogro do atual presidente da Caixa Econômica Federal — homem do círculo de confiança de Bolsonaro.

Lula foi condenado, como até a balconista do xerox da esquina do prédio da Justiça Federal em Curitiba já sabia que seria.

Era condenação anunciada.

A Lava Jato investigou pessoas, já com o veredito decidido antes que o processo se iniciasse.

Nesse caso, não encontrou o que queria. Mas, em casos assim, sempre pode contar com um Léo Pinheiro ou um Palocci para dizer o que necessitava ouvir ou um diretor da Odebrecht para quase coagir a construir um relato (leia mais aqui).

Numa interpretação rigorosa, pelos critérios que Dallagnol aplica a adversários, vê-se que a Lava Jato pode ser considerada uma organização criminosa.

Uma organização criminosa com imunidade para delinquir, em nome do estado que empoderou Bolsonaro.