
O Papa Leão XIV escreve que “o Evangelho só é bem anunciado quando leva a tocar a carne dos últimos” e adverte que “o rigor doutrinal sem misericórdia é palavra vazia”. Ele também critica a ideia, difundida por setores conservadores, de que “a liberdade do mercado levará naturalmente à solução do problema da pobreza”. Para o pontífice, é um erro escolher “uma pastoral das ditas elites”, defendendo que “em vez de perder tempo com os pobres, é melhor cuidar dos ricos, dos poderosos e dos profissionais, para que, através deles, seja possível alcançar soluções mais eficazes”.
As declarações fazem parte de Dilexi te (Eu te amei, do Apocalipse de João), a primeira exortação apostólica de seu pontificado. O texto foi publicado pelo Il Fatto Quotidiano em 13 de outubro de 2025, com informações de Fabrizio D’Esposito e tradução de Luisa Rabolini. Trata-se do primeiro documento oficial de Leão XIV e de uma continuidade direta do trabalho que o Papa Francisco preparava nos últimos meses de vida. Essa continuidade provocou reações ambíguas entre setores conservadores da Igreja, que, embora incomodados com o teor social da exortação, ainda nutrem esperança de que o novo pontífice reverta o legado de Francisco.

Leão XIV, porém, reforça a herança do antecessor. Em Dilexi te, ele consolida a pobreza como eixo do Evangelho e a caridade como “critério do verdadeiro culto”. A exortação se apoia em fundamentos teológicos sólidos e cita profetas e santos para reafirmar que “o cuidado com os pobres faz parte da grande Tradição da Igreja”. O Papa recusa a “falsa visão da meritocracia” e denuncia a “economia que mata”, criticando aqueles que culpam os pobres por sua situação.
O texto recupera ainda um trecho escrito em 1984 pelo então cardeal Joseph Ratzinger, quando prefeito do antigo Santo Ofício, sobre a Teologia da Libertação — corrente teológica que nasceu na América Latina e foi duramente contestada por setores conservadores. Ratzinger advertia, à época, que a preocupação com a pureza da fé não deveria ser separada da prática concreta de serviço ao próximo, “em especial ao pobre e ao oprimido”.
A citação é simbólica. O Papa Prevost foi missionário e depois bispo no Peru por décadas, país em que a Teologia da Libertação se desenvolveu e ganhou força a partir das comunidades de base. Sua experiência pastoral entre populações empobrecidas da América Latina marca fortemente o espírito de Dilexi te, que reafirma a dimensão social do Evangelho e denuncia as estruturas econômicas que perpetuam a desigualdade.
Mais do que um gesto de continuidade, o texto mostra que Leão XIV mantém a linha aberta por Francisco: uma Igreja que coloca os pobres no centro, que rejeita a aliança com as elites e que considera a justiça social parte essencial da fé cristã.
Conheça o documento em sua íntegra: