Publicado originalmente na Rede Brasil Atual
“Cultura não é um objeto que se vende. É uma fruição, uma experiência. E essa experiência não uma prioridade na vida de muitos brasileiros, ainda mais pensando entre você ter de escolher entre comprar seu arroz e feijão ou ir a um espetáculo de cinema, de teatro.” Assim a produtora Cynthia Alário, sócia da Brazucah, define a importância da polêmica Lei Rouanet – que foi alvo de duras críticas durante toda da campanha presidencial do eleito Jair Bolsonaro.
“A gente fala de um produto que não é valorizado no nosso país (a cultura). Se não tem uma legislação por meio da qual a iniciativa privada tenha incentivo fiscal para esse tipo de ação, a gente teria um déficit cultural maior ainda do que já temos.”
Cynthia e a equipe da Brazucah transportam telas de cinema Brasil afora, seja por intermédio do Cine Solar, do Cine Autorama ou o CineB, único que funciona independentemente da legislação federal, graças ao apoio do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
“A gente trabalha com comunidades com baixo índice de desenvolvimento social e econômico. Nesses locais, se não tiver uma atividade que seja gratuita, essas pessoas não teriam acesso. Alguém precisa pagar a conta desse processo: como faz um projeto de cinema chegar às comunidades?”
A Lei Rouanet é o principal mecanismo de fomento à cultura do Brasil. De acordo com o site do Ministério da Cultura – que será extinto no governo Bolsonaro e fundido ao Ministério da Cidadania – a Lei 8.313/91 instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e estabelece normas de como o governo federal deve disponibilizar recursos para a realização de projetos artístico e culturais.
Esses projetos podem ser enquadrados no Artigo 18 ou no Artigo 26 da Lei Rouanet. O 18 dá direito ao apoiador de deduzir 100% do valor investido, desde que respeitado o limite de 4% do imposto devido para pessoa jurídica e 6% para pessoa física. O 26 estipula dedução do imposto de renda equivalente a 30% (no caso de patrocínio) ou 40% (no caso de doação), para pessoa jurídica; e 60% (no caso de patrocínio) ou 80% (no caso de doação), para pessoa física.
Originalmente, a lei que leva o nome de seu criador, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet, continha três mecanismos: o Fundo Nacional da Cultura (FNC), o Incentivo Fiscal e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). Esse último fundo nunca foi posto em prática. E, diante da queda de investimentos diretos no setor via FNC, o Incentivo Fiscal – também conhecido por mecenato – tem cada vez maior proporção no Programa, a ponto de alguns acharem que a lei é somente isso. E já não seria pouca coisa.
Um estudo encomendado pelo Ministério da Cultura à Fundação Getulio Vargas (FGV) demonstra que R$ 49,78 bilhões foram injetados na economia desde o lançamento da Lei Rouanet, em 1991. Foram realizados 53.368 projetos em 27 anos, com patrocínios captados de R$ 31,2 bilhões, e retornos de R$ 18,5 bilhões para a sociedade de forma indireta. O estudo, segundo reportagem na revista Exame, também informa que 3,3 bilhões de ingressos, antes cobrados, foram distribuídos gratuitamente à população.
De acordo com o levantamento, nessas quase três décadas de existência da legislação, cada R$ 1 captado e executado via Lei Rouanet, ou seja, R$ 1 de renúncia em imposto, acabou gerando em média R$ 1,59 na economia local. As contas demonstram que o incentivo à cultura fomentou riquezas inclusive financeiras à sociedade.
Durante a divulgação da pesquisa, no dia 14 de dezembro, o ministro Sérgio Sá Leitão – que está deixando a cadeira para assumir a mesma pasta no governo de São Paulo – defendeu a lei dizendo que investimentos de R$ 1,6 bilhão em cultura se convertem em um milhão de empregos. Isso, segundo ele, prova que o incentivo à cultura não é menos importante que os do setor automobilístico.
Sá Leitão criticou ainda fake news sobre o assunto: “Quem desconhece os mecanismos da lei, acha que ela faz com que o Brasil perca dinheiro e o distribua o gratuitamente como se fosse um programa de televisão. O estudo demonstra que nada disso procede”.
O gerente de projetos da FGV, Luis Gustavo Barbosa, explica que o impacto indireto alcançado pela Lei Rouanet vem desde o emprego criado com as atividades culturais, até o alimento utilizado, que leva renda para a agricultura. “Essa lógica, a gente precisa entender. A agenda da cultura, como agenda econômica, é fundamental para o atual momento do Brasil.”
Barbosa relata que 68 áreas econômicas diferentes foram beneficiadas indiretamente pela lei de incentivo. E que 63,3% dos projetos foram destinados a pequenos empreendedores, com menos de R$ 100 mil.
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