Lenio Streck desmonta o discurso falacioso de manipuladores como Dallagnol. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 18 de outubro de 2019 às 22:45
Lenio Steck, no melhor momento do julgamento: “é preciso ouvir o ronco da Constituição”

A mentira que Deltan Dallagnol espalhou hoje na rede social sobre o número de presos que seriam alcançados pelo julgamento em curso no STF é um exemplo concreto do fenômeno que o jurista Lenio Streck denunciou na corte, na última quinta-feira.

“Jornalistas e jornaleiros, esta foi a metáfora que usei no STF. Os jornaleiros são todos aqueles que não são de mídia impressa ou da imprensa profissional que usam a rede social e criam um sistema de autoproteção para chamar a atenção da ‘opinião pública’”, disse ele, em entrevista ao DCM.

Deltan Dallagnol é procurador da república, coordenador da Lava Jato em Curitiba, mas, neste caso, deu vazão ao que Lenio chamou de “lenda urbana”: a de que 190 mil presos seriam libertados com o julgamento das ações diretas de constitucionalidade que resgatam uma cláusula pétrea da Carta Magna.

Dados do do CNJ, divulgados esta semana, dão conta de que seriam, no máximo, 4,8 mil. Pego na mentira, Deltan Dallagnol fez uma correção e atribuiu à imprensa o dado de 190 mil. Só não disse que a matéria da imprensa era fake news. É autoproteção ou proteção recíproca em curso.

Para Lenio, a falácia começa por atribuir à “opinião pública” um sentimento que sequer foi devidamente aferido.

“Só que opinião pública não é isso que se tem. Opinião pública é algo muito sério e é difícil de aferi-la. E para formar a opinião pública, você precisa discutir coisas em um ambiente democrático. Isso que se tem por aí é uma discussão que não passa de senso comum. Então, nós não temos opinião pública. Temos fragmentos de um senso comum moralista e que quer pressionar, como se o Supremo Tribunal tivesse que ouvir a voz das ruas”, afirmou Lenio.

O jurista comentou que está à procura da voz das ruas. “Eu ando por aí e quero ver e ouvir a voz das ruas. E não vejo. Ainda que eu ouvisse a voz das ruas, era preciso ter um critério científico para poder aferi-la”, destacou.

Se a voz das ruas fosse aferida por pesquisa, haveria uma, e ela desmonta o que Dallagnol sugere.

“Lembro a você que já houve uma pesquisa em que, há um ano e meio atrás, 52 por cento dos entrevistados diziam ser a favor da presunção de inocência”, afirmou.

Mas nem isso pode ser considerado voz das ruas.

“Eu tenho dúvidas. Por que ninguém apresenta esses dados? Ah, a opinião pública, ah não sei o que é. Estou esperando. Por isso é que eu disse: eu prefiro ouvir o ronco da Constituição do que uma construída voz das ruas, que depois ganha um nome de opinião pública”, comentou.

Esgrimindo o argumento das voz das ruas, o que se pretende é ferir a Constituição.

“Mesmo que houvesse uma opinião pública séria, mesmo assim, mesmo que ela dissesse que queria que se  prendesse a partir de segunda instância, ainda assim teríamos que ouvir o ronco da Constituição, porque a Constituição vale mais do que isso. E é preciso dizer que a opinião pública é volátil”.

Em outras palavras, a opinião pública muda, as cláusulas pétreas da Constituição não.

“O Supremo deve fazer a coisa certa. E o que é fazer a coisa certe? Decidir conforme a Constituição de forma contramajoritária, porque a Constituição é o remédio contra a maioria.”

Enfim, é preciso observar a justiça, não praticar o linchamento.

A preocupação de Dallagnol, certamente, não é com 190 mil ou 4,8 mil presos. É com o único preso, Lula, a quem a Lava Jato quer dar uma meia liberdade, com semiaberto, e não admitir que a prisão dele — e de todos os demais que não tiveram seus recursos julgados — é uma violência contra uma garantia e um direito fundamental.