Lenio Streck: “Justiça nega soltura de quem furtou carne no mercado. E não tem processo contra Bolsonaro?”

Jurista fez considerações ao DCMTV

Atualizado em 9 de agosto de 2023 às 21:40
Lenio Streck e Romeu Zema
Lenio Streck e Romeu Zema. Foto: Facebook/Wikimedia Commons

Professor da Unisinos, doutor em Direito e advogado, Lenio Streck concedeu uma entrevista ao programa DCM Ao Meio-Dia abordando a declaração recente do governador Romeu Zema ao Estadão.

O governador de Minas Gerais afirmou que o Nordeste é uma “vaquinha que produz pouco” para a economia nacional e o “protagonismo” do Sul e Sudeste. Foi apoiado pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que tentou relativizar a xenofobia embutida na declaração.

Lenio também falou sobre o relatório de militares culpando o governo Lula pelo 8 de janeiro e como o Brasil não confronta os crimes cometidos pela elite em sua história.

Confira os principais trechos.

“O Brasil precisa ir ao programa Desenrola

O Zema e o Eduardo Leite não se ouvem assim tão bem, não é mesmo? A primeira grande questão que a gente tem que saber é nos perguntar: como nós iremos sobreviver a nós mesmos com a República Velha? O Brasil é realmente fantástico. Ele sobreviveu à Política do Café com Leite e tudo aquilo que sobreviveu até Getúlio [Vargas].

Getúlio fundou o Brasil. O Estado brasileiro é fundado a partir de 1930. Efetivamente. E o Zema é uma espécie de JR Guzzo da política brasileira. Basta ver a declaração do governador Zema e depois a do Guzzo no Estadão, elogiando a polícia de São Paulo pelo massacre do Guarujá.

Essas coisas estão interligadas. O Brasil precisa pagar a fatura. Aliás, acho que o Brasil precisa ir ao programa Desenrola. Ele precisa se livrar das dívidas do passado. Nem que seja para ele ter uma nova dívida, mas ele precisa lidar com essas pendengas. Isso é uma metáfora, obviamente.

O Brasil não resolveu o problema da Anistia. Passou pano. Não processou Bolsonaro até o hoje. O sistema de Justiça não fez isso. Não tem nem inquérito aberto. Ficamos na roda de CPIs café com leite. 

O coronel Cid vai lá, veste a farda e não fala coisa nenhuma. O Exército não pune ninguém. 

E uma coisa que está todo mundo esquecendo: o manifesto dos militares no dia 11 de dezembro, que este comentarista que está aqui falou muito e escreveu artigo. Eles disseram e repetiram no relatório do 8 de janeiro agora. Ninguém ligou as duas coisas. O manifesto falou que todos os golpistas faziam “manifestações democráticas”.

Segundo a lei, que eu ajudei a fazer com Paulo Teixeira e o Pedro Serrano, as manifestações precisam ter fundamentação social. Ninguém fala nada, o passapanismo vai passando e se forma o peemedebismo.

O Brasil está preocupado com o novo PGR. Há churrascos e listas. Todos os dias os jornais fazem isso. Enquanto isso, a boiada vai passando. Oito meses!

“Caso de polícia”

Temos que ficar muito atentos a isso. Nós que somos do campo democrático, liberal, liberal-democrático, centro-esquerda. Ser um bom liberal tem um valor muito grande para a democracia. Você precisa ter um acerto de contas com o passado.

O que é passado para nós? Passado não é mais nem a questão da Lei da Anistia. O passado agora é o passado recente. Tem algo mais simbólico do que o relatório das Forças Armadas afrontosa ao Supremo Tribunal? Afrontosa ao governo? Relatório dos atos do dia 8 de janeiro colocando a culpa no próprio governo.

Isso é um caso de polícia! Esse relatório é afrontoso ao Estado democráctico de Direito. Falsear fatos ou inquérito em relatório é crime. Os assinantes desse relatório deveriam ser chamados às falas, de imediato, pelo Ministério Público. 

Mas, nesse momento, estão todos preocupados com quem será o novo procurador-geral da República. O Judiciário está preocupado com outras coisas e essas coisas estão passando. Na primeira crise, no primeiro problema econômico que der, você verá a extrema direita, com o nome de direita, agindo. Atenção, as coisas mudam de nome, mas vão se reciclando. Vai se autodenominando.

Tarcísio é de direita. Não é extrema direita segundo o desenho institucional que se forma. O establishment é um modo de colocar sistema de Justiça e governo para dar uma resposta a isso que está ai há oito meses. E quem está processado é um bando de pé de chinelos.

A choldra está processada. E a grande guilda que conspirou contra a democracia está solta. E não se assustem se daqui a uns dias o general Heleno começar a dar entrevistas. O vice derrotado de Bolsonaro faça críticas ao governo Lula.

“STF nega soltura de quem furtou carne no mercado. E não tem processo contra Bolsonaro ainda?”

Se a extrema direita é inepta e faz todas essas patacoadas, ele deveria ser mais fácil de ser dominada e processada. Mas não. Ela deixa rastros todos os dias. É rastro de todos os delitos. 

O Cidão [Mauro Cid] disse agora que estava só fazendo uma cotação do Rolex. Queria saber quanto custava o relógio do Bolsonaro. Se o Rolex foi recebido e não entrou na lista de bens, e Bolsonaro ficou com ele, o que precisa investigar?

Conta para mim aqui. Eu, com 29 anos de Ministério Público. Todos os dias os integrantes do MP processam a choldra. Todos os dias pegam pobres. Por coisinhas pequenas.

O próprio Supremo nega soltura de gente que furtou carne no mercado. Ai você tem um Rolex que o cara recebe e não é dele. Seu ajudante de ordens deixa rastros no email. E não tem processo ainda?

Não tem processo disso ainda? Eu, quando ainda era promotor, dizia assim: se eu não consigo pegar os ricos e os poderosos, que legitimidade eu tenho para pegar os que não têm nada?

Veja a entrevista na íntegra.

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