
Nas últimas horas de vida, o advogado Luiz Fernando Pacheco estava leve, falante e feliz, contaram familiares do fundador do grupo Prerrogativas em entrevista à Folha de S.Paulo. Ele foi encontrado morto em uma rua de Higienópolis, região central de São Paulo, na manhã do dia 2 de outubro.
Na tarde de 30 de setembro, saiu de casa para tomar uma cerveja com amigos e, segundo a mãe, Norma, parecia especialmente animado. Foi ao bar 155, na Barra Funda, ponto de encontro tradicional de advogados em São Paulo. Lá se encontrou com o defensor público Renato De Vitto e o advogado Daniel Machado.
“Ele era uma pessoa expansiva e alegre sempre, mas nesse dia estava especialmente feliz”, contou De Vitto. Falou sobre os pais, ambos de 79 anos, com quem voltara a morar, e sobre os filhos que vivem fora do país. “Amor demais não é um problema, né? Amor nunca é demais”, comentou, carinhoso.
Durante pouco mais de três horas, o grupo conversou, riu e relembrou histórias, enquanto Pacheco, noveleiro assumido, dizia querer assistir ao capítulo de “Vale Tudo” que seria exibido naquela noite. Mas o bar fecharia antes. Chamou os amigos para seguir o papo em Higienópolis, mas ambos recusaram.
Perto das 21h30, ele pegou um táxi para o bar Mac Fil, na rua Maria Antônia, perto da Universidade Mackenzie. Ali tomou mais cervejas, ouviu música, mexeu no celular e cantou, como de costume. “Estava contente”, relataram funcionários. Saiu por volta das 23h30, rumo a casa, cantando, conforme mostram as imagens de segurança.

A caminhada seria curta, cerca de um quilômetro até a rua Piauí. Pacheco usava uma prótese no quadril, resultado de um desgaste ósseo que o obrigara a passar por três cirurgias. Caminhava com dificuldade e, às vezes, precisava se apoiar em estruturas pelo caminho. Na esquina das ruas Itambé e Maranhão, um casal o observou e decidiu atacá-lo.
Quando tentaram roubar seu celular, ele resistiu. O homem o agrediu, e Pacheco caiu, batendo a cabeça. O casal levou o relógio — uma réplica de Rolex — e fugiu. Uma testemunha o encontrou convulsionando e acionou o Samu, que o levou à Santa Casa. O advogado morreu pouco depois, vítima de traumatismo craniano.
A tragédia se prolongou por mais de um dia. Sem documentos físicos e com o celular levado, o corpo de Pacheco ficou mais de 30 horas sem identificação. Só na manhã de quinta-feira (2) foi reconhecido, por meio de impressões digitais. A irmã, Ana Paula Pacheco, professora da USP, foi ao IML fazer o reconhecimento.
“Meu irmão foi morto por pessoas que não têm nada, como muitas que ele defendeu. Era muito sensível às injustiças do mundo”, disse. Amigos lembram de um homem intenso, generoso e combativo. “Ele tinha um coração imenso, o cara mais humano e gente boa que existia”, afirmou o advogado Ivan Calmanovici.
Pacheco foi pupilo de Márcio Thomaz Bastos e um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e do grupo Prerrogativas. Presidiu a Comissão de Prerrogativas da OAB-SP entre 2022 e 2024. Ficou conhecido nacionalmente ao defender o ex-deputado José Genoino no julgamento do mensalão, quando foi expulso do plenário do STF após protestar contra a falta de julgamento de um recurso. “Ali nasceu um advogado dos advogados”, recordou De Vitto.
Boêmio e apaixonado por literatura, Pacheco lançou em 2023 o livro de contos “Pau de Cavalo”, dedicado ironicamente ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por considerar que “o bolsonarismo alimentou as desigualdades e a violência urbana”.
Sua irmã o descreve como visceral e expressivo, alguém que via a rua como espaço de convivência e liberdade. “Gostava de Higienópolis porque podia voltar a pé para casa”, disse. Em uma homenagem nas redes sociais, Ana Paula escreveu: “Você morreu por nada. Ou por séculos de desigualdade e brutalidade, contra os quais você lutava”.
