Tempos modernos: fim do descanso aos domingos humilha o trabalhador e não resolve o problema do desemprego

Atualizado em 17 de agosto de 2019 às 18:16

Chamada de liberdade econômica, a MP 881/19, aprovada esta semana pela Câmara dos Deputados, deveria ter outro nome: a legislação da superexploração do trabalhador.

Não é exagero, como anotou o advogado Lívio Enescu, que já foi presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo.

Em entrevista ao DCM, ele citou especificamente uma das “modernidades” introduzidas: a possibilidade do patrão trocar o domingo pelo dia de semana na escala de folga do empregado.

A medida não tem potencial para gerar novos empregos. Pelo contrário. “Vai acabar com o domingueiro, aquele trabalhador que só trabalha nos fins de semana, para cobrir a folga dos demais empregados”, afirmou.

Além disso, a mudança proporcionará maiores lucros para o empregador. “Nada contra o lucro, mas o que está acontecendo é o lucro abusivo”, destacou. “É o lucro que coloca em risco a saúde do empregado. É o fim do que tinha nos restado de estado do bem estar social”, acrescentou.

Quem conhece Berlim ou Londres, por exemplo, duas das mais importantes capitais da Europa, sabe que domingo é um dia em que tudo fecha.”Aqui tudo estará aberto e ainda vai ter gente que vai considerar essa abertura algo moderno, um exemplo de vitalidade econômica”, disse.

Para o trabalhador, a mudança vai significar o comprometimento de sua saúde. Hoje, quando não há acordo com sindicatos, quem trabalha domingo recebe em dobro. Pela nova norma, acabou a obrigatoriedade dessa pagamento extra. Isso só ocorrerá se o patrão não der uma folga em outro dia da semana.

Advogado trabalhista há mais de 40 anos, Lívio Enescu diz o que vai acontecer: “O trabalhador preferirá ficar sem folga. Ele vai querer receber, o que dispensará a contratação daquele que cobre a folga.”

Trocar a folga em um dia nobre por um dia da semana é como aceitar trocar um dia ensolarado por um chuvoso. “Você folga, mas não aproveita a folga e ainda corre o risco de ser humilhado: quem vê um trabalhador em casa no dia da semana vai pensar que o cara é vagabundo ou desempregado”, observou.

Lívio é judeu e entende que o dia de folga é o sábado, mas reconhece o domingo como importante para a a religião (ou cultura) cristã. O novo testamento se refere ao domingo como Dia do Senhor. Está no livro de Atos, capítulo 20, versículo 7, e também no livro I Coríntios, capítulo 16, versículo 2.

Nada disso, porém, impediu que os evangélicos votassem em peso na nova MP. O lucro do patrão falou mais alto que a orientação bíblica.

“Para quem não é religioso, trabalhador ou a trabalhadora vai perder o dia em que pode ficar com o filho (domingo continuará o dia de folga na escola) ou com a mulher ou marido; vai perder o futebol na TV; o encontro na casa da mãe. Até a programação de TV é melhor no domingo. A folga no dia de semana não é a mesma coisa. É mais triste e isso poderá afetar a saúde dele. Por isso, para ganhar mais, ele preferirá vender a folga”, comentou Lívio.

Liberdade econômica é a autorização para o capital sugar mais da classe trabalhadora. Na segunda década do século XXI, o base política do bolsonarismo trouxe de volta ao Brasil Tempos Modernos, um filme de quase quase 90 anos atrás, em que Charles Chaplin denunciou, no seu estilo bem humorado, a máquina de moer empregados.