Líder armamentista e amigo de Bolsonaro recebe prêmio que leva o nome de líder operário assassinado pela PM

Atualizado em 22 de fevereiro de 2020 às 18:43
Bene Barbosa

Uma das maneiras de demonstrar a falta de sentido do prêmio de direitos humanos entregue a um dos líderes campanha armamentista no Brasil é sua declaração após receber o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos.

“Prêmio de Diretos Humanos Santos Dias da Assembleia Legislativa,  recebido por indicação do deputado Carteiro Reaça. Sim! A autodefesa é  um direito humano básico e fundamental. Quem não gostou, pode chorar no banho….”, disse Benedito Gomes Barbosa Junior, o Bene Barbosa, através de sua conta no Twitter.

Bene Barbosa participa da campanha contra o desarmamento desde 2005, quando houve o plebiscito dar armas. Ele escreveu o livro Mentiram para mim sobre o desarmamento, e preside o Movimento Viva Brasil, que seria patrocinado por fabricantes de armas.

Eduardo Bolsonaro, que faz as vezes de patrão do deputado Carteira Reaça (Gil Diniz), elogiou a iniciativa:

“Você percebe que o Brasil está mudando para o caminho certo quando uma comissão de direitos humanos da Alesp condecora um movimento armamentista. Parabéns, Bene Barbosa, pelo movimento em defesa da legítima defesa e deputado estadual Gil Diniz por oferecer a homenagem.”

O homenageado é tão indigno para receber a homenagem que errou até o nome da personalidade que dá nome ao prêmio: Santo Dias, que ele chamou de “Santos” Dias.

Católico praticante, membro da Pastoral Operária, Santo Dias era metalúrgico e líder do movimento grevista por melhores salários e condições de trabalho em São Paulo.

Em 1979, ele foi assassinado pela PM na porta de uma fábrica na Zona Sul de São Paulo, enquanto participava de um piquete e protestava contra a prisão de um colega metalúrgico.

Companheiros de Santo Dias lembram que o corpo do líder operário só não desapareceu em razão da coragem de sua esposa, Ana Maria.

Ela entrou no carro que transportava o corpo do marido para o IML. Os policiais tentaram forçá-la a descer, mas ela resistiu.

Santo Dias e a corajosa Ana Maria, sua esposa

No velório, realizado na Igreja da Consolação, milhares de pessoas compareceram e realizaram uma passeata pelas ruas do centro de São Paulo. Lula, então líder sindical, foi um dos participantes.

O assassino, Herculano Leonel, foi condenado a seis anos de prisão, mas não passou um dia sequer no cárcere. Ele recorreu e foi absolvido pelo Tribunal de Justiça Militar de São Paulo.

O premiado filme Eles não usam black-tie, realizado por Leon Hirszman com base em uma peça de Giafrancesco Guarnieri, lhe presta homenagem.

Santo Dias também dá nome a ruas e parques de São Paulo, e a um dos principais prêmios de Direitos Humanos do Brasil.

Como tem feito no mundo todo, a extrema direita tenta agora dar outro sentido ao conceito de direitos humanos, e associa o nome de Santo Dias a um defensor de tudo o que ele combatia.

Em 2015, Bene Barbosa recebeu a Medalha Tiradentes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, por iniciativa de Flávio Bolsonaro e, em 2017, a Medalha Pedro Ernesto, por iniciativa de Carlos Bolsonaro.

Jair Bolsonaro o homenageou com um texto do Facebook, revelador de que a ideia da homenagem era dele — os filhos foram apenas instrumentos.

A associação do nome Santo Dias a gente como Bene Barbosa é ultrajante, mas revelador destes tempos obscuros.

Bolsonaro e os filhos, na homenagem prestada pela Assembleia Legislativa do Rio, em 2015