Isaac de Souza Faria, um líder comunitário da região extrema sul de São Paulo, trocou sua antiga filiação ao Partido dos Trabalhadores (PT) por uma aliança com o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o presidente da Câmara de Vereadores, Milton Leite (União Brasil). Desiludido com a esquerda, Isaac optou pelo pragmatismo e pelos benefícios oferecidos pelo Centrão – e ele não tem vergonha de admitir isso.
Após dez anos “dando murro em ponta de faca” como militante petista, Isaac agora se dedica a gravar vídeos com drones, destacando obras públicas em sua região, e possui até um podcast gravado em estúdio profissional, com um custo de quase R$ 20 mil mensais. “Tudo isso com o Centrão”, afirmou Isaac em entrevista ao Intercept Brasil.
“Se você olhar minha linha do tempo no Facebook e no Instagram, você verá o que aconteceu. Será que me vendi e nada melhorou na comunidade? Estou andando de helicóptero? Tenho casa com piscina? Não. O que mostro ali são várias políticas públicas concretizadas na comunidade”, argumenta Isaac.
A guinada política de Faria ilustra questões importantes da política nacional: a frustração de jovens das periferias com partidos de esquerda e o papel cada vez mais crucial das emendas parlamentares nos territórios.
Uma das justificativas que Isaac deu revela como a direita se beneficia do crescimento das emendas no orçamento público: “Você pede para o PT uma creche e ouve: ‘olha, demora 10 anos para liberar R$ 100 mil’. Com o Centrão, se você solicita, eles mandam R$ 5 milhões para fazer uma UPA”, afirmou.
O desequilíbrio no acesso às emendas parlamentares é uma das principais críticas da oposição ao prefeito Ricardo Nunes. Em São Paulo, cada vereador pode indicar até R$ 5 milhões em emendas, totalizando R$ 275 milhões. No entanto, essas emendas não são impositivas, ou seja, a liberação depende da administração municipal.
De janeiro ao início de abril de 2024, a administração de Nunes liberou em média R$ 1,07 milhão para cada vereador da base governista, enquanto os parlamentares da oposição receberam, em média, R$ 497 mil, de acordo com levantamento do Estadão. A situação é ainda pior para os parlamentares do PSOL: segundo a Folha de S.Paulo, a prefeitura interrompeu a liberação de recursos para os vereadores da sigla de Guilherme Boulos no segundo semestre.
No cenário federal, o PT é o partido com maior acesso às emendas, com R$ 618 milhões liberados até abril de 2024. No entanto, as sete siglas seguintes no ranking – de direita e do Centrão – somam R$ 2,4 bilhões, quatro vezes mais do que o PT.
Alexandre Leite, deputado federal e filho de Milton Leite, já teve mais de R$ 100 milhões em emendas executadas desde 2015. Uma dessas emendas, no valor de R$ 5 milhões, foi destinada à ampliação da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no bairro Vera Cruz, onde Isaac mora.
De acordo com uma análise do LabCidade, a eleição no extremo sul de São Paulo tem sido marcada por práticas clientelistas, nas quais lideranças políticas distribuem empregos e favores em troca de apoio. O estudo atribui parte dessa dinâmica à influência da família Leite.
“Eu nunca tinha ouvido falar em emenda”, disse Isaac sobre sua época no PT. Embora ele tenha trabalhado com a família Tatto, uma força tradicional da zona sul, e mantido relações com Fernando Haddad e Alexandre Padilha, seu rompimento com o partido foi além da simples destinação de recursos. Enquanto Nunes e Leite fortalecem suas bases na zona sul, o PT, segundo Isaac, perde conexão com os jovens da periferia.
Agora aliado de Nunes e Tarcísio de Freitas, Isaac relembra como foi questionado por jovens da comunidade sobre seu impacto. “A molecada hoje está com corrente de ouro, quer tomar um whisky bacana, ir para um barzinho legal… Não é só o baile funk que eles consomem”, reflete Isaac sobre a transformação social que, segundo ele, a esquerda não compreende.
Isaac também lidera o podcast A Quebrada Tem Voz, patrocinado por Silvinho, vereador eleito pelo União Brasil e chefe de gabinete da Subprefeitura de M’Boi Mirim. O custo mensal do programa gira em torno de R$ 15 mil a R$ 20 mil, cobertos por empresários da região apresentados por Silvinho.
Questionado sobre o motivo da mudança de lado político, Isaac defendeu que sua decisão de apoiar Milton Leite e Ricardo Nunes não foi uma traição, mas uma evolução natural. “Teve muita gente que era do PT e não está mais”, afirmou. Segundo ele, Nunes e Leite “usam a máquina a favor de nós”.
Ele ressaltou que, enquanto estava no PT, a burocracia impedia que muitos projetos saíssem do papel. Com o Centrão, segundo ele, os recursos são liberados mais rapidamente, beneficiando diretamente a comunidade.