Luciana Genro foi vítima da Veja e da Justiça

Atualizado em 16 de dezembro de 2014 às 8:08
LG não teve a quem apelar
LG não teve a quem apelar

Pulitzer, o editor húngaro-americano que inventou na segunda metade do século 19 o jornalismo como conhecemos, dizia que buscava no seu jornal “precisão, precisão e ainda precisão.”

Era, para ele, a virtude surprema de uma publicação. Sem ela, você não tem nada.

Precisão.

Fiz esta introdução para falar no caso Luciana Genro versus Veja, decidido na Justiça a favor sabemos de quem.

Os fatos, essencialmente, são os seguintes.

Luciana Genro montou um cursinho para jovens egressos de escolas públicas, o Emancipa. Gratuito. São 100 vagas por ano.

É o tipo de ação que só poderia merecer aplausos.

Mas para a Veja não.

Em 2011, o jornalista Otávio Cabral escreveu um texto sobre o projeto de LG. Cabral é aquele jornalista que publicou uma biografia de Dirceu com centenas de erros documentados e, recentemente, fez parte da equipe de Aécio na campanha presidencial.

Não foi um artigo. Foi uma acusação. O título já diz tudo: “Em nome do pai.”

A revista afirmava que o pai de LG, o governador Tarso Genro, a beneficiara na montagem do cursinho.

Segundo a Veja, o governo gaúcho cedera “gratuitamente” duas salas do colégio Júlio de Castilhos. A revista também afirmou que os professores, e Luciana era um deles, eram “bem-remunerados”.

Tudo isso para chegar à conclusão de que de filantrópico o cursinho – ou o “negócio”, como preferiu a Veja – tinha “muito pouco”.

O espírito de Pulitzer foi massacrado impiedosamente por Cabral e seus editores. Imprecisão, imprecisão e ainda imprecisão são as marcas do texto. Isto e mais uma desonestidade exuberante.

Para começar, Luciana Genro não foi ouvida. Não sabemos qual manual de jornalismo recomenda fazer uma reportagem sobre uma pessoa sem escutá-la, mas foi este que a Veja seguiu.

Luciana Genro trilhou o caminho habitual neste tipo de situação: processou a Veja, ainda em 2011.

Teoricamente, era uma causa fácil. Alguns de seus argumentos.

  • “A Secretaria de Educação não me concedeu nenhum privilégio como insinua a reportagem. A direção do colégio Júlio de Castulhos, assim como outras escolas estaduais, proporciona a execução de diversos projetos nas suas dependências. O Emancipa é um deles, e paga à escola 600 reais por mês pelas duas salas.”
  • “Os professores não serão “bem remunerados” como maliciosamente diz a reportagem. Receberão 20 reais a hora aula. Como são apenas duas turmas, a média de remuneração de cada professor deverá ser por volta de 300 reais.”

O fecho da matéria afirmava que Luciana Genro tinha o objetivo de transformar os alunos em “cabos eleitorais para sua campanha a vereadora no ano que vem”.

Quer dizer: em sua louca cavalgada, a revista enxergou em 100 alunos um intrépido exército de cabos eleitorais.

O que Pulitzer diria de uma coisa dessas? Bem, você pode imaginar.

Mas o editor da Veja publicou.

Em outubro passado, saiu, afinal, a sentença. A Justiça gaúcha julgou improcedente o processo.

O blogueiro da Veja Felipe Moura Brasil disse o seguinte: “Felizmente ainda se faz justiça no Brasil.” Tem uma estranha noção de justiça este jovem velho.

O juiz Heráclito José de Oliveira Brito entendeu que a revista se limitou a publicar “fato presumido verídico”.

Quer dizer: não importa se você publica mentiras acintosas, desde que o juiz considere que você partiu de um “fato presumido verídico”.

Estranho conceito de justiça este também. Significa, no fim, que você não tem que provar nenhuma acusação.

“Não há no texto guerreado qualquer acusação à prática de crime ou adjetivação à autora, não se configurando, assim, a alegada calúnia ou a injúria”, escreveu o juiz. “Tampouco logro encontrar na matéria cunho difamatório, tangenciando o texto a zona cinzenta do espírito crítico a personalidades públicas, essencial a uma imprensa livre.”

Quantas atrocidades são cometidas no país em nome da “imprensa livre”, Deus.

O juiz conseguiu não encontrar “cunho difamatório” num texto que tentou destruir, criminosamente, um projeto que oferece educação suplementar gratuita a garotos saídos de precárias escolas públicas.

Um dia, esta história haverá de ilustrar a imprensa e a Justiça do Brasil de nossos tempos.