
A história recente do Brasil mostra que estamos vivendo de sucessivas tragédias. Uma após outra, somos diminuídos, violentados, subtraídos naquilo que mais nos faz humanos.
Essa, por sinal, é seguramente a consequência mais terrível da tragédia: a de nos tirar os elementos mais básicos, os sentimentos mais singelos, os rituais mais sacros que nos faz diferir dos bárbaros, dos animais.
Sem determinadas condições, a que se reduz um ser humano?
O que se está presenciando em Brumadinho, nos montes das Minas Gerais, nos dá algumas respostas.
O sofrimento incalculável de pessoas humildes que perderam o seu lar, o seu ganha-pão e sobretudo seus entes queridos, os dissolvem a um estado de dor, lamento e solidão a ponto de se transformarem, também eles próprios, numa parcela diminuta da destruição que os assaltou.
É dilacerante a imagem que se forma a partir de uma legião de almas que foram brutalmente apartadas de seus direitos mais básicos. O ser humano reduzido à lama.
Pensar que a cada um destes a ganância e o poder foram capazes não só de matar, mas de provocar as condições para que não pudessem sequer cumprir o doloroso ofício de enterrar os seus mortos, é pensar que já não compactuamos mais com a nossa própria civilidade. É constatar que já não podemos sequer dizer que estamos em guerra, pois até na guerra existem leis a serem seguidas.
Leis essas que são negadas pela mesma sede de poder e ganância a alimentar ininterruptamente tantas outras tragédias.
O que se vê em Brumadinho é o que se pode chamar – uma vez que somos vistos como meras peças de reposição – o “atacado” da nossa desumanização. Mas são das pequenas e grandes tragédias individuais que o coletivo social vai se desfazendo.
Se um mal que é cometido a um é um mal que é cometido a todos, a tragédia que está sendo imposta a Lula também nos desumaniza, nos humilha e nos diminui.
E no que pese as proporções, aqui as causas são comuns.
A justiça que, por ódio, impede um homem de enterrar seu próprio irmão é a mesma justiça que, por complacência, permite que por irresponsabilidade de uma empresa, centenas não enterrem seus parentes.
São tragédias que se cruzam e se sucedem em função de um denominador comum: a farsa de uma justiça que culpa inocentes e inocenta culpados.
O ser humano Lula que também viu a sua esposa sucumbir perante uma justiça injusta, agora também se vê impedido de cumprir o ato humano de enterrar um irmão querido.
Mal sabe Carolina Lebbos, que ousou utilizar a tragédia de Brumadinho como uma das desculpas para impedir Lula de prestar suas últimas homenagens, que este homem reconhece na própria história o que aquelas pessoas estão passando.
Reconhece porque também foi obrigado a deixar a sua casa e sua terra, reconhece porque o sofrimento foi um sentimento presente desde a sua infância, reconhece porque também perdeu a sua Marisa sob condições humilhantes e reconhece porque também é vítima de uma injustiça.
São tragédias pessoais que se somam unidas pela desumanidade com que foram tratados.
Desumanidade essa que brota da lama do nosso judiciário.