Lula, Brumadinho e a desumanidade que une as sucessivas tragédias brasileiras. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 30 de janeiro de 2019 às 10:05
Lula. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A história recente do Brasil mostra que estamos vivendo de sucessivas tragédias. Uma após outra, somos diminuídos, violentados, subtraídos naquilo que mais nos faz humanos.

Essa, por sinal, é seguramente a consequência mais terrível da tragédia: a de nos tirar os elementos mais básicos, os sentimentos mais singelos, os rituais mais sacros que nos faz diferir dos bárbaros, dos animais.

Sem determinadas condições, a que se reduz um ser humano?

O que se está presenciando em Brumadinho, nos montes das Minas Gerais, nos dá algumas respostas.

O sofrimento incalculável de pessoas humildes que perderam o seu lar, o seu ganha-pão e sobretudo seus entes queridos, os dissolvem a um estado de dor, lamento e solidão a ponto de se transformarem, também eles próprios, numa parcela diminuta da destruição que os assaltou.

É dilacerante a imagem que se forma a partir de uma legião de almas que foram brutalmente apartadas de seus direitos mais básicos. O ser humano reduzido à lama.

Pensar que a cada um destes a ganância e o poder foram capazes não só de matar, mas de provocar as condições para que não pudessem sequer cumprir o doloroso ofício de enterrar os seus mortos, é pensar que já não compactuamos mais com a nossa própria civilidade. É constatar que já não podemos sequer dizer que estamos em guerra, pois até na guerra existem leis a serem seguidas.

Leis essas que são negadas pela mesma sede de poder e ganância a alimentar ininterruptamente tantas outras tragédias.

O que se vê em Brumadinho é o que se pode chamar – uma vez que somos vistos como meras peças de reposição – o “atacado” da nossa desumanização. Mas são das pequenas e grandes tragédias individuais que o coletivo social vai se desfazendo.

Se um mal que é cometido a um é um mal que é cometido a todos, a tragédia que está sendo imposta a Lula também nos desumaniza, nos humilha e nos diminui.

E no que pese as proporções, aqui as causas são comuns.

A justiça que, por ódio, impede um homem de enterrar seu próprio irmão é a mesma justiça que, por complacência, permite que por irresponsabilidade de uma empresa, centenas não enterrem seus parentes.

São tragédias que se cruzam e se sucedem em função de um denominador comum: a farsa de uma justiça que culpa inocentes e inocenta culpados.

O ser humano Lula que também viu a sua esposa sucumbir perante uma justiça injusta, agora também se vê impedido de cumprir o ato humano de enterrar um irmão querido.

Mal sabe Carolina Lebbos, que ousou utilizar a tragédia de Brumadinho como uma das desculpas para impedir Lula de prestar suas últimas homenagens, que este homem reconhece na própria história o que aquelas pessoas estão passando.

Reconhece porque também foi obrigado a deixar a sua casa e sua terra, reconhece porque o sofrimento foi um sentimento presente desde a sua infância, reconhece porque também perdeu a sua Marisa sob condições humilhantes e reconhece porque também é vítima de uma injustiça.

São tragédias pessoais que se somam unidas pela desumanidade com que foram tratados.

Desumanidade essa que brota da lama do nosso judiciário.

Carlos Fernandes
Economista com MBA na PUC-Rio, Carlos Fernandes trabalha na direção geral de uma das maiores instituições financeiras da América Latina