Lula coloca o dedo na ferida da democracia: o Congresso precisa de faxina. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 14 de março de 2018 às 17:06
Lula

Lula deu entrevista a Leonardo Attuch e Paulo Moreira Leite, da TV 247, e alguns pontos merecem ser destacados:

1 – Lula está mesmo disposto a se candidatar a presidente;

2 – Ele estuda uma forma de fortalecer um projeto popular com a eleição de parlamentares identificados com as bandeiras progressistas;

3 – Se eleito, pretende apresentar um projeto para regulação da mídia, não nos moldes de Cuba ou China, mas dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha;

4 – Lula tem planos para estabelecer acordo comercial estratégico com China e Rússia e, se os Estados Unidos quiserem, também com eles.

Nesta entrevista, Lula defendeu ainda que, caso seja eleito, proporá um referendo revogatório ou a convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte.

O referendo revogatório é para desfazer as medidas que recolocaram o Brasil nos primeiros anos do século passado.

“A Constituição Cidadã de 2008 não existe mais”, afirmou Lula.

“Ela já foi rasgada em verso e em prosa, foi mudada. E eu acho que é preciso a gente fazer uma Constituinte e redefinir o papel dos poderes neste País. Fortalecer as instituições, para que elas sejam cada vez mais fortes, mas para que elas sejam cada vez mais democráticas”, afirmou.

Lula defendeu que os eleitores valorizem também a eleição de parlamentares.

“Não adianta você votar num presidente progressista e num Congresso conservador (…) Eu fui eleito em 2002 e, dos 513 deputados, eu tinha 91. Hoje o PT tem 58”, disse.

O Congresso ficou mais conservador (talvez a palavra adequada seja fisiológico) e, neste quadro, aumentou o risco de instabilidade para o governante progressista, alvo da pressão dos partidos.

“Não é do PMDB, como se diz, não. É de dezenas de pequenos partidos de 20 deputados, de 15 deputados, porque agora virou uma coisa de louco com o fundo partidário. Virou uma pequena empresa um partido político. Todo mundo quer criar um partido político. Todo mundo quer ter um dinheirinho do fundo partidário”, afirmou.

A nova lei do fundo partidário tende a agravar esse quadro, pois reserva 70% dos recursos a partidos que não têm candidato a presidente ou governador.

“Eles não querem ser majoritários, para eleger deputados”, disse.

E qual é o resultado disso, na prática?

Lula responde:

“Cada vez mais o Congresso vai ficar refém de partidos que dificultam a construção de uma coalizão”, afirmou.

Lula defendeu, em seguida, uma proposta que Fernando Haddad havia anunciado, em primeira mão, para o DCM, na entrevista que concedeu semana passada.

“O Haddad me deu uma ideia esses dias que eu achei interessante. Ele acha que a gente deveria abrir um debate no Brasil para que, a partir de 2018, o povo votasse primeiro para presidente, no primeiro turno, e somente no segundo turno essa pessoa votaria para deputado e senador”, disse.

Este é um modelo francês, e permite ao presidente ter influência na indicação e possibilidade maior de construir maioria e garantir a governabilidade.

Esta também é uma forma de enfrentar o problema da péssima qualidade da representação parlamentar, como ficou demonstrado com a votação do impeachment de Dilma, quando a população teve a oportunidade de ver deputados como Cristiane Brasil, de camisa da Seleção Brasileira, falando em honestidade, ou de deputados que invocavam o nome de bairros, da família e de Deus para votar. Ou ainda de uma deputada que, aos pulos, gritou contra a corrupção sim, sim, sim, e no dia seguinte abriu a porta da Polícia Federal prender seu marido por desvio de dinheiro público.

Os exemplos são fartos, fruto de uma eleição com regras que permitem ao poder econômico demonstrar sua força, com a compra de lideranças para ajudar na conquista de mandato de candidatos sem nenhum compromisso com projeto político ou ideológico.

São deputados que vão para Brasília fazer negócio, gente que Michel Temer sabe que pode comprar, pois estão ali sempre à venda.

O jornalista Paulo Moreira Leite sugeriu a Lula que tenha uma lista com candidatos a deputado, para indicar ao eleitor em quem votar.

Lula manifestou interesse na proposta, embora saiba que é de difícil execução, já que, se for suprapartidária, vai gerar problema no PT e, se não for, não faz muito sentido, já que o partido tem uma lista, a dos seus próprios candidatos.

Basta dizer: vote nos candidatos da legenda.

A lista dos sonhos cidadãos seria aquela dos força eleitoral, ou seja, os nomes seriam eleitos de acordo com sua posição nela, e na proporção de votos recebidos pela legenda.

Com isso, o eleitor votaria em partido partido político ou num projeto político.

Sem ser incorporado à legislação, o que resta aos partidos com um mínimo de seriedade é reforçar na campanha a importância do mandato parlamentar.

Nesse sentido, Lula, que é sempre ouvido, tem também um papel fundamental.

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PS: Chamou a atenção na entrevista a tranquilidade de Lula. Rosto sereno, bem-humorado. Ele não parece preocupado com a possibilidade de ser preso.