Lula de alma lavada ouve os versos da “mãe pernambucana”: “Eu sabia que ia voltar para me abraçar”. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 18 de novembro de 2019 às 0:45
Lula de alma lavada

Lula terminou o discurso dele em Pernambuco na noite deste domingo com uma expressão leve, parecia de alma lavada. Os músicos do Estrela Brilhante, grupo de Maracatu, estavam bem afiados na rima:

“Já ficou público o registro que Moro prevaricou. Prendeu Lula e ajudou a eleger o sinistro. Se vendeu para ser ministro. Terá seu nome esquecido. Em vez de juiz, bandido e, além de playboy mané, vai ser condenado até o dia de ter nascido.”

No final do Festival Lula Livre, um poema emocionou o público, ao retratar Pernambuco e Lula como mãe e filho:

“Sonho, esse bicho poderoso, que cresce sem que ninguém possa controlar. É um perigo, é um perigo para quem não sonha. Esse perigo foi crescendo, porque eram tantos abraços, tantos sonhos, que isso é capaz de mudar o mundo inteiro, que dirá um país. E tentaram te privar disso, dos abraços… Te trancaram na gaiola, menino passarinho do agreste, que canta sonhos. Doeu tanto em mim, filho. Mas deixa eu te contar: Não teve um dia sequer que eu perdesse a esperança. Os sonhos… Eu sabia que tu ias voltar para me abraçar. Bem-vindo, filho. Estou aqui, estou aqui…”

Lula, nascido em Pernambuco, fez um discurso com referência histórica. Citou Frei Caneca, o mártir da revolução pela independência de brasileiros do jugo português, com o movimento de 1817 e a Confederação do Equador de 1824.

Ele falava sobre a sondagem que seus advogados receberam alguns meses depois de se entregar à Polícia Federal, no sentido de trocar o cárcere em Curitiba pela prisão domiciliar.

“A minha casa não é uma prisão, a minha casa é um lugar de liberdade. Segundo: minha canela não é canela de pombo, eu não sou pombo correio para colocar tornozeleira. Eu não aceito negociação, eu quero a minha inocência. Eu não quero privilégio. Eu quero que eles julguem meu processo. Eu quero que eles arrumem prova para dizer que eu sou culpado.

Por isso eu fui obrigado a dizer, como pernambucano que sou, como homem da terra de Frei Caneca, como homem da terra de lutadores que tiveram a coragem de, em 1824, fazer a Confederação do Equador, que tiveram a coragem de, em 1817, fazer a primeira luta pela independência deste país:

Eu, filho humilde de Garanhuns, criado por uma mãe analfabeta, um pai analfabeto, que nasceram e morreram analfabetos. Eles me deram uma coisa que a elite brasileira não aprendeu nos bancos da universidade: é ter caráter e dignidade.”

Lula com a bandeira de Pernambuco ouve o maracatu

A fala de Lula pareceu o relato dos 580 dias em que esteve preso. Foi mais pessoal do que os discursos anteriores — na Vigília Lula Livre, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e na reunião da Executiva do PT em Salvador:

“Eu hoje sou um homem melhor do que aquele que entrou na cadeia. Eu sou um homem mais maduro. Eu sou um homem que aprendi que nada, nada, nada derrota as pessoas que se amam neste país. Nada.”

No final, voltou a falar do amor, depois de apresentar aos conterrâneos de Pernambuco a mulher que escolheu para casar, Rosângela Silva, a “Janginha”. O público pedia “beija, beija, beija”, e ele respondeu, como se estivesse entre amigos íntimo, em casa:

“Eu tenho vergonha, eu tenho vergonha, eu tenho vergonha”.

Mas Janja se aproximou, e os dois se beijaram.

Pouco depois, ao encerrar seu discurso, declarou:

“Nós não vendemos ódio, nos vendemos amor, paixão, e é muito coração nesta história.

Lula beijou alguns músicos e saiu dançando.

Era o Lulinha Paz e Amor, neste ponto do discurso, porque, em outros, ele foi muito contundente, ao falar de Moro, Dallagnol, Globo e do governo de milicianos. Não mencionou o nome de Bolsonaro uma única vez.

“Eu estou vendo o país ser destruído. Eu estou vendo a nossa cultura ser destruída. Eu estou vendo a ciência e tecnologia ser destruída. Eu estou vendo as nossas universidades serem destruídas. Eu estou vendo os nossos empregos serem destruídos. Eu estou vendo a esperança da sociedade brasileira, sobretudo da juventude, ser destruída. Eu estou vendo os ataques aos LGBTs, aos negros, aos índios. Eu estou vendo o crescimento do feminicídio neste país, com uma violência bárbara contra as mulheres brasileiras. Eu estou vendo os salários desaparecerem. Eu estou vendo a aposentadoria ficar cada vez mais distante do povo trabalhador.  E eu estou vendo que nós estamos com dificuldade de reagir.”

Ele disse que superou a solidão da cadeia com a atenção voltada para as dificuldades que estavam (e estão) sendo impostas à população brasileira:

“Não foi fácil tirar de um cidadão de 74 anos 580 dias de liberdade. Não é uma coisa simples. Deixar um cidadão ficar 580 dias dentro de uma cela quando, na verdade, a quadrilha neste país foi montada pela Moro, foi montada pelo Dallagnol. E eu quero que vocês saibam: todo mundo que ia me visitar ficava com pena de mim.

— Ô Lula, você fala com quem?

Eu falava:

— Com ninguém, eu falo com os advogados, eu falo com o carcereiro.

— Ô Lula, como é que você dorme?

— Eu durmo bem.

— Ô Lula, como é que você almoça e janta?

— Eu almoço e janto bem.

Porque a minha referência não era o Lula, a minha referência era o povo brasileiro.”

E acrescentou:

“Eles estão destruindo o país em nome do quê? Eles estão destruindo os empregos em nome do quê? Eles estão destruindo a esperança em nome do quê? Eles estão fomentando a milícia neste país em nome do quê? Eles estão alimentando o ódio em nome do quê? A Globo alimenta a mentira em nome quê?”

Sobre seus algozes da Lava Jato, sinalizou que gostaria de participar de uma eleição em que eles também fossem candidatos, e para isso conta com a anulação de seus processos, para recuperar direitos políticos.

“A campanha Lula Livre tem que se transformar numa campanha muito maior, porque o que nós queremos é a anulação da safadeza dos processos contra nós. Apresentem provas contra mim e me condenem, e eu não virei mais fazer discursos para vocês. Mas, se não tiver provas, eu adoraria estar num palanque aqui, Morro aqui, Dallagnol aqui, para discutir com eles quem é safado neste país. Quem é que montou quadrilha neste país.”

Lula, na parte em que bateu forte em Moro, Dallagnol e no governo de milicianos

Por fim, falou sobre seus planos:

“Depois de tanta gente se mobilizar pelo país, eu queria dizer: a luta não acabou, não há como acabar uma luta porque cada dia nós queremos mais. Quando eu resolvi me entregar, eu disse ao povo brasileiro: eu não sou o Lula, eu sou uma ideia já assumida pelo povo brasileiro. Esse povo do Nordeste aprendeu a comer três vezes ao dia. Esse povo aprendeu a ter água. Esse povo aprendeu a ter emprego. Eu sonhava: o Nordeste não poderia continuar passando para a história como o lugar que que tinha mais analfabeto. O Nordeste não poderia passar para a história como o Estado que tinha mais desnutrição e mais mortalidade infantil. O Nordeste não poderia passar para a história como a região que menos tinha mestres e que menos tinha doutores, O Nordeste não poderia passar mais para a história como exportador de miseráveis. Esse Nordeste é exportador de dignidade. E nós não somos inferiores a ninguém. Nós não queremos tirar nada de nenhum estado, mas nós queremos ser tratados em igualdade de condições. Nós não somos párias da sociedade. E eu posso dizer a vocês de coração: é possível ser assim, porque eu provei em oito anos no meu governo que é possível o nordestino sorrir, comer, estudar, se vestir. É possível o nordestino trocar um jegue por uma motocicleta sem deixar o jegue morrer de fome.”

No final, antes do maracatu, pediu desculpas. Ele se sentia em casa:

“Gente, ó, desculpem eu ter feito discurso. Eu não queria fazer discurso. Eu quero que vocês ouçam música. E vou terminar dizendo para vocês uma coisa: tenham certeza absoluta de que cada minuto de vida que eu terei pela frente será dedicada para libertar este país dessa quadrilha de milicianos.

Fim da política, era hora de abraçar e de beijar os músicos, com a bandeira de Pernambuco enrolada em seu corpo.

Os pernambucanos que foram reencontrar Lula não esquecerão a noite em que o filho mais ilustre do estado voltou para dizer:

“Eu quero do fundo do coração agradecer as dezenas de comitês Lula Livre que estiveram na rua me defendendo. Eu não tenho como pagar vocês a não ser gratidão.”