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É fácil eleger Lula; difícil é eleger um deputado. Por Moisés Mendes

Publicado no Blog do Moisés Mendes

Lula durante discurso.
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Eleger Lula, dizem os viciados em otimismo, será quase uma barbada. O difícil será eleger para a Câmara uma bancada progressista que sustente um governo Lula, segure um pouco o ímpeto da boiada do centrão e contenha o avanço da extrema direita.

Para os mais pessimistas, seria impossível, mesmo combinando com os russos. O fortalecimento das esquerdas na Câmara é a parte mais imprevisível da eleição do ano que vem.

Uma olhada rápida na composição de 2018 abala esperanças. A última eleição renovou a casa muito mais pela direita e pela extrema direita.

O Rio Grande do Sul pode ser examinado como um caso exemplar. O PT gaúcho tinha sete deputados eleitos em 2014. Reelegeu cinco em 2018, sem nenhum acréscimo de novos nomes.

A direita gaúcha encheu a Câmara com os seus candidatos, alguns fantasiados com máscara de centristas. Quase todos são bolsonaristas assumidos ou dissimulados.

A única novidade, como renovação pela esquerda, foi assegurada pelo PSOL, com a eleição da deputada Fernanda Melchionna. Foi a única cara nova. Os outros deputados de esquerda do Rio Grande do Sul são bravos sobreviventes de outras batalhas.

Na eleição de 2010, a bancada nacional do PT havia eleito 88 deputados, depois elegeu 69 em 2014 e chegou aos 56 de 2018. Sabe-se de estragos com recuos do mesmo tamanho ou mais devastadores nas assembleias estaduais.

Não se trata aqui de tentar avaliar as causas desse cenário, porque seria uma conversa interminável. O que importa é a pergunta que joga pra frente, a partir de uma provocação óbvia de Lula de que é preciso fortalecer as bancadas de esquerda. Esta é a pergunta: como fortalecer as bancadas?

Para fortalecer, é preciso manter e renovar. Se a ideia for a de buscar reforços, o histórico é ruim. A renovação em toda a Câmara em 2018 foi de 47%, graças à direita e à extrema direita do fenômeno PSL.

O PT foi o partido que mais reelegeu deputados. Dito de outra forma, foi o que menos se renovou, porque precisava reduzir riscos e fez uma aposta geral nos veteranos.

Dos 56 deputados eleitos em 2018 pelo PT, 40 mantiveram suas cadeiras pela reeleição, o que significa que o partido ainda consegue tirar leite de vaca, mas já não consegue mais tirar leite de pedra.

Não há um nome com destaque nacional, um só, em toda a Câmara, que possa ser percebido como a cara da renovação dos partidos de esquerda no Congresso. Não há para a esquerda o que Tabata Amaral significa, como ação, imposição e exposição, para o conservadorismo.

As circunstâncias pós-golpe de 2016, a grande mídia, o protagonismo do reacionarismo, tudo contribui para que uma Tabata seja sempre mais visível. Mas não é só isso. E as redes sociais? E o protagonismo fora do Congresso?

O resultado da primeira votação da PEC dos Precatórios prenuncia os próximos estragos. A bancada do PDT avisou a Ciro Gomes que agora, no salve-se quem puder ou pegue-o-que-for-possível, o butim não pode ficar todo com o centrão.

É agora que começa o jogo pesado, medido em cifras, da pré-campanha, e o que importa é assegurar o agrado às bases. É preciso ter dinheiro para obras, qualquer obra, para mostrar ao eleitor e tentar acompanhar o trote da base comprada por
Bolsonaro.

Para muita gente ligada a nomes e partidos da pretensa terceira via, incluindo PSDB e PDT, qualquer migalha vale mais hoje do que a fidelidade a João Doria ou Ciro Gomes, até porque ninguém sabe direito a quem Ciro é fiel.

E aí é que se aprofunda, talvez mais do que em 2018, o dilema das esquerdas incapazes de se renovarem. Em 2018 Lula estava preso. Agora, Lula está livre, e passam a ser compartilhados com ele os desfechos possíveis também da eleição parlamentar. Vale para a Câmara e para o Senado.

Vamos testar em 2022 a capacidade do PT de fazer com que a ressurreição de Lula seja também o seu reposicionamento. E vamos conferir de novo como as lutas identitárias podem obter alguma substância eleitoral.

A direita sabe lidar com seus apelos ‘identitários’ (com bois, boiadas, bíblias e balas) há muito tempo, transformando-os em votos e poder. Deltan Dallagnol, o procurador evangélico, já abandonou o Ministério Público e será candidato a deputado federal pelo Podemos no Paraná.

Eles sabem que podem se fortalecer pela renovação e seguem em frente. As esquerdas, por enquanto, sabem sobreviver sempre com os mesmos.

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Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/

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Moisés Mendes

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