Lula é um refém daqueles que destroem a democracia no Brasil. Por Luís Felipe Miguel

Atualizado em 2 de março de 2019 às 12:52
Lula, na chega ao velório, sob forte aparato policial

PUBLICADO NO FACEBOOK DO AUTOR.

Vão se completar dez meses da prisão de Lula. Uma prisão motivada por perseguição política. Uma prisão que ocorreu sem que tenham sido apresentadas evidências dos crimes que a justificariam. Uma prisão determinada em desacordo com a Constituição e mantida por pressão militar. Uma prisão que está ligada à derrocada da democracia no Brasil. A prisão de Lula é um fio que liga o golpe de 2016 à vitória do bolsonarismo em 2018.

As circunstâncias da prisão de Lula e a estatura política do prisioneiro fazem com que a gente acompanhe, quase que diariamente, o que acontece em Curitiba. A rotina de privação, de humilhação. Um septuagenário afastado da família, dos amigos, do mundo. Impedido de ir ao enterro de pessoas próximas. Tendo que implorar para uma inimiga, para uma juíza que já demonstrou seguidas vezes sua má vontade e menosprezo pela justiça, o direito de dar o último adeus ao netinho.

Lula é um prisioneiro político. Lula não poderia estar preso, caso as leis vigentes no país fossem respeitadas. Lula é um refém daqueles que destroem a democracia no Brasil.

Por tudo isso, a bandeira “Lula livre” é central para todos os que lutam por um Brasil mais justo.

Mas devemos pensar também que o drama que acompanhamos com relação a Lula é o drama de outros 700 mil brasileiros. Alguns são também inocentes, outros são culpados dos crimes que lhes são atribuídos. Alguns destes crimes são graves, outros nem tanto e há aqueles que nem deveriam ser considerados crimes. E estão todos presos – como Lula, mas em geral em condições ainda mais desumanas.

Se Lula sofre com o ódio e o pânico que nossa classe dominante lhe devota, esses outros todos sofrem com o desprezo e a negligência. O raciocínio maniqueísta e raso que é deliberadamente alimentado na nossa sociedade diz que, se estão presos, são bandidos; e, se são bandidos, não têm nenhum direito.

Mas são humanos. São seres humanos enjaulados. São retirados de nossas vistas e submetidos a um tratamento que nenhum, absolutamente nenhum ser humano deveria suportar.

Sei que é difícil pensar no fim da pena privativa de liberdade, em uma sociedade como a nossa – uma sociedade que empurra tantas pessoas para a brutalidade e a animalidade. Mas é preciso encarar de frente a realidade penitenciária do país. Abolir a prisão é um sonho que não está ao alcance da mão, mas é possível esvaziar as cadeias, reduzindo penas, facilitando progressões, estabelecendo punições alternativas, agilizando recursos. O contrário do que hoje é a voz dominante, mas essa voz dominante é outra faceta da brutalidade e da animalidade que permeiam nossa sociedade.

Lula na prisão tem um significado político imediato: a destruição do experimento democrático iniciado em 1988. Nossas prisões lotadas de jovens pretos pobres representam, por outro lado, os limites históricos deste experimento. Que a empatia que o drama de Lula produz em qualquer pessoa dotada de humanidade contribua para que pensemos também nessa imensa população carcerária.