
Por Aldo Foranzieri, autor de Liderança e Poder e professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)
Em 2006, Lula foi para a sua primeira reeleição. Em 2026, irá para a sua segunda reeleição. No final de 2005, Lula ostentava a juventude e o vigor de um senhor de 60 anos. Com 80 anos agora, Lula exibe a sobriedade e a prudência proporcionadas pela idade e pela experiência. A conjuntura de 2005 condicionou, em alguma medida, o cenário eleitoral de 2006. A conjuntura de 2025 tende a condicionar o cenário eleitoral de 2026.
É certo que muita coisa mudou nos últimos 20 anos, e qualquer comparação precisa ser relativizada e ponderada por essas mudanças. A tese que se defenderá aqui, com base em algumas evidências, é a de que a conjuntura deste final de 2025 indica um cenário muito mais favorável à reeleição de Lula no próximo ano do que aquela do final de 2005.
Em dezembro de 2005, a avaliação do governo Lula, com quedas sucessivas, chegou a 28%. Em dezembro de 2004, era de 45%. Em dezembro de 2025, a avaliação positiva do governo é de 32%. Em dezembro de 2024, era de 35%.
Ao longo deste ano, a avaliação do governo teve altos e baixos, chegando ao pior patamar em fevereiro, com apenas 24% de bom e ótimo. Neste final de ano, houve uma certa recuperação e estabilização da avaliação positiva. De qualquer forma, ela está quatro pontos acima da avaliação de dezembro de 2005.
Outro dado que chama a atenção refere-se às expectativas da população em relação ao ano da disputa eleitoral. Em dezembro de 2005, as expectativas de melhora em relação a 2006 eram de 48%. Em dezembro deste ano, segundo o Datafolha, a expectativa de melhora, do ponto de vista individual, salta para 69%. A diferença é muito significativa.
Em 2005, o Brasil acusou um PIB de 3,2%, e as projeções para este ano indicam uma alta de 2,3%. A inflação de 2005, medida pelo IPCA, foi de 5,69%, num processo de desaceleração em relação a 2004. Agora, as projeções de inflação indicam um índice de 4,33%, também num movimento de queda.
Mas tende a haver uma diferença importante entre 2006 e 2026: naquele ano, o crescimento do PIB foi de 4%. Já as projeções para o próximo ano variam de 1,6% a 1,8%. Quanto ao desemprego, em 2005 o índice foi de 9,6%. O índice de 2025 deve ficar em torno de 5,4%, um dos mais baixos da história da medição.
No cômputo geral, tanto os números da avaliação do governo quanto os indicadores econômicos indicam o surgimento de um cenário mais favorável à reeleição do presidente em 2026 do que em 2006. Mas a política nunca se move para uma efetivação espontânea a partir de indicadores. Como ela é ação e conflito, este jogo precisa ser jogado com o apoio dos números. Não há produção passiva de apoios e engajamento.
É necessário também um comparativo político. O ano de 2005 foi cataclísmico para o governo e para o PT. Estourou o escândalo do Mensalão, que colocou em movimento a mídia, a oposição com a CPI, a polícia e o Judiciário, visando desvendar as tramas desse escândalo que se projetava — ou foi projetado — como um dos maiores de todos os tempos. A CPI foi criada em julho de 2005 e durou até novembro.
Em junho e julho de 2005, houve a queda de toda a cúpula do PT e a renúncia do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. O chefe da Casa Civil era o todo-poderoso do governo, e a cúpula do PT tinha uma presença forte nas definições políticas do governo.
Não bastasse a queda de alguns dos líderes históricos do PT, a exemplo de José Dirceu e José Genoino, 2005 fez surgir outro grande incômodo para o governo: no final de junho, havia sido instalada a CPI dos Bingos, que ficou mais conhecida como CPI do Fim do Mundo. Este nome surgiu por conta do amplo leque de assuntos investigados, atingindo figuras importantes do governo: corrupção em prefeituras, como a de Ribeirão Preto; Máfia do Lixo; o ex-assessor Waldomiro Diniz; o Caso Cuba, envolvendo suposta entrada de dinheiro para supostamente financiar campanhas políticas; e o escândalo da “República de Ribeirão Preto”.

A “República” era uma referência à casa do então ministro da Fazenda, usada para festas e reuniões. O caseiro Francenildo dos Santos Costa foi envolvido e teve o sigilo bancário quebrado a mando de Palocci, segundo as denúncias. A CPI foi muito mais um palco de luta política do que de trabalho técnico e investigativo. O seu efeito mais importante foi a queda de Palocci no início de 2006.
No trânsito de 2005 para 2006, o governo Lula e o PT estavam sob uma tempestade de acusações e suspeitas. Estavam na defensiva política e moral. Existiam elementos significativos que colocavam em xeque a reeleição. Mas, em 2006, veio a virada. Naquele momento, os dados da economia ajudaram muito na virada do jogo. Soma-se a isso erros da oposição tucana: o partido havia escolhido com boa antecedência o governador Geraldo Alckmin como candidato presidencial. A campanha foi mal conduzida, principalmente no segundo turno, permitindo que Lula tivesse uma vitória folgada.
Nesse trânsito de 2025 para 2026, os ativos políticos e morais favorecem Lula e são negativos para a oposição. O governo não tem grandes passivos morais, nem há potencial para que surjam. Já a oposição bolsonarista tem parte de sua liderança na cadeia. A oposição vem cometendo uma série de desastres que fazem acumular perda de reputação: o golpismo, a articulação e o apoio ao tarifaço trumpista, a PEC da blindagem, escândalos com emendas, iniciativas legislativas em segurança que favoreciam a liderança do crime organizado, fugas e por aí vai.
O governo Lula tem espaço para crescer: divulgação de bons programas pouco conhecidos; aperfeiçoar a comunicação, principalmente trabalhando os dados da economia; a vinculação de programas com os valores de justiça, de igualdade, de fraternidade.
Alguns analistas dizem que a campanha de 2026 será uma guerra de rejeições, já que Flávio Bolsonaro é rejeitado por 60% e Lula por 54%. Com base nesses mesmos dados, outros dizem que há espaço para uma candidatura de terceira via. Terceiros avaliam que a campanha reporá as polarizações de eleições anteriores.
Os estrategistas da campanha de Lula têm espaço para fugir de todas essas armadilhas. Para fugir da rejeição, o governo Lula deve se apresentar como governo da afirmação, da comparação, das realizações, da seriedade, da estabilidade, da garantia, da soberania, da sustentabilidade, da racionalidade do acolhimento, do afeto, dos valores, da justiça e da solidariedade, apresentando um programa capaz de enfrentar os desafios do presente, levando a um futuro melhor.
Quanto à terceira via, é preciso considerar que o bolsonarismo é uma força política e eleitoralmente forte. Seria necessário que a candidatura bolsonarista cometesse muitos erros para abrir espaço a uma terceira via. Lula não pode, nem deve, colocar-se no mesmo patamar de uma candidatura bolsonarista, polarizando com ela. Deve, sem arrogância, colocar-se acima dela. A campanha lulista deve ser uma campanha radical, mobilizadora e vibrante. Mas deve encontrar um lugar próprio e único de campanha, que é o do programa da construção de uma sociedade justa, igual e solidária e o programa que indique um caminho de futuro para o Brasil.