“Lula livre”: na comemoração da vitória de Fernández, argentinos pedem justiça ao líder brasileiro. Por Joaquim de Carvalho, de Buenos Aires

Atualizado em 28 de outubro de 2019 às 2:11
Argentino comemora a eleição de Alberto Fernández e pede Lula livre

Passava das 21 horas deste domingo, 27 de outubro, em Buenos Aires quando, do alto de um banco na praça do Obelisco, o jovem argentino que agitava a bandeira começou a cantar o hino de seu país. A multidão o acompanhava na comemoração da vitória de Alberto Fernández quando ele me viu fotografar com o celular.

Terminado o hino, ele chamou a atenção dos que estavam do lado, levantou a mão direita e fez o gesto com o dedo indicador e o polegar: “Lula libre”, gritou. Reconheceu-me como brasileiro, certamente por conta da camisa do Palmeiras que eu vestia.

Outros repetiram o gesto e gritaram “Lula libre”, e pessoas me abraçaram. “América do Sul grande, Lula libre”, disse uma mulher. “Bem-vindo”, disse outro.

A vitória de Alberto Fernández e de Cristina Kirchner era saudada como o resgate da soberania não só da Argentina. “Pátria sim, colônia não”, cantavam.

A estudante segurava o cartaz “Macri, tchau”. A mãe dela, Milagros Amarillo, explicava por que a família tinha decidido comemorar o resultado da eleição.

“Alberto Fernández é esperança”, afirmou. Perto dela, Luiza Ferreira, de 80 anos, segurava uma bandeira com o rosto de Evita Perón. “Eu era jovem quando Evita ajudava os pobres, os trabalhadores. Ela me ajudou”, disse.

Evita Perón morreu em 1952, quando ela tinha 12 anos de idade.

Luiza é dona de um restaurante popular e fez questão de comemorar, apesar de caminhar com dificuldade.

“O Justicialismo ainda vive e é o único que atende ao povo”, disse, em referência ao nome original do movimento que é conhecido como peronismo.

Pedro Carrasco, também comerciante, disse que na Argentina há dois grupos políticos, os peronistas e os radicais (direita). “Os peronistas fazem, os radicais desfazem. Mas os peronistas voltam, para nossa alegria”, afirmou, depois de cantar, com a filha, de 30 anos, e a neta, de 8:

“Olê, olê, olê, olê, olá, Mauricio Macri que se vá, e não volte nunca mais”.

Eu não era o único brasileiro a acompanhar a festa dos argentinos. O professor de direito Júlio Ribeiro, de Santa Catarina, estava com a mulher, Sílvia. Eles agitaram a bandeira argentina. Sílvia comentou:

“Nossa hora vai chegar. A direita será derrotada também no Brasil. Nós vamos derrotá-los, assim como fizeram os argentinos”.

O fracasso do projeto neoliberal de Macri pode ser retratado pela cena que se tornou comum em Buenos Aires: pessoas revirando o lixo em busca de algo de valor ou até comida. Não é uma cena incomum no Brasil, mas na Argentina era algo que não se via até poucos anos atrás.

Mecânico desempregado há cerca de um ano, Miguel Ortiz procurava num desses lixos roupa para a filha de pouco mais de um ano de idade que mora com ele e a mulher numa praça do centro de Buenos Aires. “Não tenho dinheiro para pagar aluguel”, contou.

Miguel tirou do lixo algumas peças de roupa e duas almofadas. Colocou num saco plástico e caminhou. Ele não votou porque teve os documentos roubados, mas tem esperança de que a situação começará a mudar com a eleição de Alberto Fernández. “Está muito ruim, amigo”, afirmou.

À noite, os que votaram festejavam a volta de um governo que tem compromisso com os trabalhadores. Uma mulher com aparência de classe média, sem os trejeitos de militantes, se juntou ao coro dos peronistas e ajudou a segurar a faixa azul e branca, com a inscrição “Pátria justa, livre e soberana”.

Depois de permitir ser fotografada, questionou:

“E vocês? Quando vocês vão sacar Bolsonaro?”

Abaixo, algumas fotos da comemoração que avançou pela madrugada

Luiza (à direita): ela viu o peronismo no seu início e continua na militância
Pedro, a filha e a neta: politica é assunto de família
Júlio e Sílvia, brasileiros comemorando com os argentinos: “Por uma América Latina unida e forte”