Lula, Sigmaringa e um Judiciário insensível à dor de um amigo. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 26 de dezembro de 2018 às 14:09
Lula não pode ir, mas enviou coroa de flores

Pela letra fria da lei, Lula não teria direito de se despedir do amigo Luiz Carlos Sigmaringa Seixas — que será sepultado hoje —,com quem mantinha relações que iam além da amizade.

Eram irmãos de luta, uma luta que começou a ser travada nos tempos sombrios da ditadura militar.

Mas a Lei de Execuções Penais diz, em seu artigo 120, que os presos poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer falecimento ou doença grave do cônjuge, pai, mãe, filhos ou irmãos.

Pela letra fria da lei, Lula teria que ter sido solto em julho deste ano, quando o desembargador plantonista do TRF-4 assinou alvará de soltura em HC apresentado por três deputados do PT.

A amigos, depois que colaborou para impedir que o alvará fosse cumprido, o desembargador João Pedro Gebran Neto, teria dito que ignorou “a letra fria da lei”, por considerar que era necessário evitar um “erro maior”: a libertação do ex-presidente.

No caso de Lula, a lei tem sido aplicada assim, nestes tempos estranhos, de forma que não lhe seja concedido nenhum benefício.

Ainda que esse benefício seja uma garantia constitucional, como era o caso do HC.

No que diz respeito ao funeral de Sigmaringa, o juiz poderia ter, sim, autorizado a saída de Lula para o que a jurista Carol Proner, uma das maiores especialistas em Direitos Humanos do Brasil, definiu como “pranto digno”.

Sigmaringa não era apenas advogado de Lula.

O juiz que negou a Lula o benefício pode desconhecer o caráter subjetivo das amizades, mas bastaria uma pesquisa rápida na internet para verificar fatos históricos que aproximam os dois.

Sigmaringa era defensor de presos políticos quando Lula comandava, do Sindicatos dos Metalúrgicos, as graves que enfraqueceram a ditadura.

Eventos correlatos fizeram dos dois amigos.

Na Constituinte, Lula deputado pelo PT, e Sigmaringa Seixas, parlamentar pelo PMDB/PSDB, votaram juntos em todos os temas relacionados a direitos sociais.

Sigmaringa era um dos interlocutores de Lula no governo de Fernando Henrique Cardoso, e acabou sendo escolhido vice de Cristovam na tentativa deste de se reeleger governador do Distrito Federal, em 1998.

Poderia ter ido para o STF no governo de Lula, mas preferiu continuar com sua banca de advocacia, uma das mais prestigiadas do Brasil, com sede no Distrito Federal.

Mesmo assim, era um das pessoas ouvidas por Lula quando o assunto era a nomeação de ministros para as cortes superiores.

Alguns dos atuais ocupantes do STF, implacáveis com Lula, devem sua indicação a ele.

Nos grampos liberados por Sergio Moro, no auge da Lava Jato, há uma conversa que serve de exemplo da intimidade entre eles.

Não há nenhum crime ou indício de crime nessa conversa, apenas o pedido de Lula para o então procurador geral da república ouvir a sua versão.

Lula está indignado pelo fato de Rodrigo Janot ignorar denúncias contra Aécio Neves e abrir investigação contra ele.

Fala palavrões, numa linguagem informal, própria entre pessoas que têm intimidade.

Quando Sergio Moro decretou a prisão de Lula, em abril, foi Sigmaringa Seixas quem serviu de ponte com o Judiciário e a Polícia Federal, através do Ministério da Justiça.

Já em tratamento contra o câncer, Sigmaringa fez questão de visitar Lula em Curitiba.

Amigos comuns contam que Lula enviou carta a Sigmaringa quando este foi internado no Sírio Libanês, para a tentativa derradeira de debelar o câncer.

Hoje, no velório de Sigmaringa, em meio a muitas coroas de flores, uma se destacava:

“Saudades para sempre do amigo Luiz Inácio Lula da Silva e Família”.

Foi a homenagem possível.

No Twitter, a professora Carol Proner expressou uma dúvida que agora é de todos que amam a Justiça:

“Negam a Lula qualquer condição de dignidade. Agora, o sepultamento de um amigo-irmão. Negam o pranto digno. Será por sadismo?”

Pode ter, de fato, alguma dose de sadismo, mas revela, acima de tudo, extrema falta de sabedoria e senso de justiça.

Vai para a conta de um Judiciário que tem seguido a máxima: “para os amigos, tudo. Para inimigos, os rigores da lei.”

É lamentável que setores do Judiciário brasileiro ajam como se Lula fosse um inimigo.

Uma hora, o povo acorda.

Afinal, nem todos entendem o labirinto das sentenças judiciais.

Mas ninguém ignora a violência de uma decisão que tira de Lula o direito de chorar ao lado do caixão de um amigo-irmão.

Um “amigo de fé, irmão camarada, amigo de tantos caminhos, de tantas jornadas”, conforme a definição de Erasmo Carlos.