
Em um intervalo de menos de uma semana, Xi Jinping recebe a visita oficial de França, União Europeia e Brasil, dois importantes Estados e uma das maiores comunidades da cena internacional. O primeiro importa por seu lugar na estrutura da política mundial (uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU e seu arsenal nuclear). O segundo, por suas dimensões territoriais e demográficas, mas sobretudo por seu papel como liderança do chamado Sul global. Mais do que uma coincidência, a simbologia dos encontros é a de um novo centro de poder mundial. E da luta para obter uma parte dessa nova ordem emergente. Além da assinatura de novos contratos para as empresas francesas, o balanço da viagem de Macron varia entre o nada e o fracasso para diferentes analistas do país. Lula está em melhor posição.
Marc Julienne, pesquisador do IFRI (Instituto Francês de Relações Internacionais), faz parte dos analistas que enxergaram um fracasso diplomático. Um dos maiores erros, na sua opinião, foi levar a Guerra da Ucrânia para o topo de sua agenda.
“Era ilusório procurar em Pequim uma solução para a guerra. Todos os analistas eram unânimes em dizer que Emmanuel Macron não obteria nada. Xi Jinping não tem interesse nenhum em encontrar uma solução política nesse conflito, assim como tampouco tem interesse em apoiar Vladimir Putin militarmente”, disse em entrevista à rádio Franceinfo.
Faz mais de um tempo que Macron tenta se projetar como líder mundial, leia-se a visita que fez a Putin às vésperas da Guerra da Ucrânia. Agora, assim que deixa a China, Pequim cerca e aumenta as intimidações a Taiwan. Cabe até se perguntar se suas visitas não são, na verdade, contraprodutivas, gerando sobretudo o efeito contrário do esperado.
O tom exigente da presidenta da Comissão Europeia Ursula Von Der Leyen em relação a Xi não ajudou. No editorial “Um diálogo difícil, mas necessário”, o Le Monde considera ainda assim uma boa ideia.
“Fora que ele fica mais confortável, diante dos dirigentes chineses, representando 450 milhões de habitantes do que 68 milhões, as relações comerciais referem-se à União Europeia”, analisa o jornal de maior circulação na França.
“Apesar do desconforto e da falta de resultados concretos, Macron e von der Leyen tinham razão de relançar, juntos, um diálogo indispensável com a China. Precisa-se manter essa relação, com a condição de permanecer lúcidos e exigentes”.
Macron queria dar uma dimensão europeia à sua visita, em defesa do conceito de “autonomia estratégica”. O Estado francês advoga por uma Europa com defesa própria e, portanto, uma diminuição da dependência dos Estados Unidos.
Historicamente, a França se apresenta como um país não-alinhado com os EUA. Mas não convence. “Ė mais fácil dizer-lhes a verdade, pois são nossos aliados. O problema é que o presidente francês não faz a mesma coisa com a China. É preciso ser franco, ou até severo com Pequim. Os temas de discórdia não devem ser colocados debaixo do tapete”, afirma Marc Julienne.
Macron tenta fazer o equilibrista. Trata Putin por pronomes informais. Provoca a grita no leste europeu (em grande parte hostil ao Estado russo), dizendo que não se deve humilhar a Rússia em meio à guerra na Ucrânia.
Afirma em entrevista ao site Politico que a França não pode ser uma seguidora automática dos Estados Unidos. “O paradoxo seria que, para superar o pânico, acreditássemos que somos apenas seguidores dos Estados Unidos”.
“A questão que os europeus devem responder é… é do nosso interesse acelerar (a crise) em Taiwan? Não. A pior coisa seria pensar que nós europeus temos que nos tornarmos seguidores nessa questão e fazer nossa a agenda dos Estados Unidos e uma reação exagerada à China”.
Brasil sob Lula
No equilíbrio entre os Estados belicistas, a França é o Estado que mais se aproxima da visão do Brasil sob Lula, ainda que este pareça estar em melhor posição.
Lula representa um grande país, mas também o mais poderoso de um bloco comercial. E tem uma missão menos contestadora em relação à China do que a Comissão Europeia: reinserir o Brasil no cenário internacional. E ao contrário, um projeto concreto de maior integração: o Banco dos Brics, ou NBK, nada mais nada menos do que sob a presidência de Dilma Rousseff.
A China tem uma visão de mundo, em que ela é a dominadora, e o Sul global é seu instrumento de legitimação. Servir-se do apoio do Brasil parece ser a cereja do bolo, sobretudo com o retorno do país à diplomacia e à cena global.
Na tradição de neutralidade, como a França busca de uma certa maneira apresentar pela noção de não-alinhamento, o Brasil pode ser mais equidistante do que a França, ainda que sinalize maior proximidade com a Pequim.
A mais recente visita de Celso Amorim a Moscou indicou como ilusório o interesse russo pela paz, Estado que o Brasil tampouco vai peitar. Um banho de realismo que Lula toma antes de viajar.
Um timing favorável a Lula, quase como um alinhamento de planetas para uma viagem simbolicamente mais frutífera para o Brasil.
Na sua agenda como novo presidente do Brasil, os Estados Unidos vieram primeiro. Na China, ficará por mais tempo. Terá um papel maior como ator global. Caber-lhe-á a sabedoria do equilíbrio entre humildade e altivez para não se posicionar como nação submissa (nem à China, nem a Estado nenhum), mas que quer arquitetar e protagonizar um novo mundo.