“Máfia dos concursos”: a quadrilha familiar que cobrava R$ 500 mil por vagas públicas

Atualizado em 8 de outubro de 2025 às 12:48
Wanderlan Limeira, ex-PM que comandava o esquema. Foto: Reprodução

A Polícia Federal revelou um esquema de fraudes em concursos públicos que funcionava como uma verdadeira empresa familiar. A quadrilha, sediada em Patos, no Sertão da Paraíba, cobrava até R$ 500 mil por vaga e usava recursos tecnológicos avançados, como pontos eletrônicos implantados cirurgicamente e dublês para realizar as provas. A operação, batizada de Última Fase, foi deflagrada na semana passada e prendeu três pessoas.

O grupo era liderado por Wanderlan Limeira de Sousa, ex-policial militar expulso da corporação em 2021, apontado como o principal articulador da fraude. Ele negociava diretamente com os candidatos, coordenava a logística e distribuía gabaritos.

Segundo a PF, os crimes eram praticados há mais de uma década e envolveram concursos da Polícia Federal, Caixa Econômica, Banco do Brasil, universidades e até o Concurso Nacional Unificado (CNU). A investigação mostrou que Wanderlan chegou a fazer provas para demonstrar a eficiência do esquema. Ele foi aprovado para auditor fiscal do trabalho, cargo com salário inicial de R$ 22,9 mil, mas não compareceu ao curso de formação.

Em interceptação telefônica, o ex-PM disse ao filho e cúmplice: “Você esqueceu que tem o CNU, meu filho. A nossa comissão vai ser lá no CNU. Vou batalhar pra nós, ver se ‘nós consegue’ na ‘poiva’ [dinheiro]”.

A rede contava com o apoio de diversos familiares. Os irmãos Valmir Limeira de Sousa e Antônio Limeira das Neves, a cunhada Geórgia de Oliveira Neves e a sobrinha Larissa Neves ocupavam papéis estratégicos. Larissa, inclusive, também foi aprovada no CNU e usada como “vitrine” para atrair novos interessados.

A PF encontrou indícios de gabaritos idênticos entre quatro candidatos, algo cuja probabilidade de ocorrer por acaso seria equivalente a “ganhar a Mega-Sena 18 vezes seguidas”.

Quadrilha que comandava a “máfia dos concursos”. Foto: g1

Entre os comparsas externos estão Ariosvaldo Lucena, policial militar do Rio Grande do Norte, dono de uma clínica odontológica usada para lavar dinheiro, e Thyago José de Andrade, responsável por repassar pagamentos e administrar os lucros.

Segundo a PF, Thyago emprestou R$ 400 mil para financiar a aprovação de Larissa. Sua companheira, Laís Giselly Nunes, advogada, é suspeita de 14 fraudes e teve seu resultado no concurso do Tribunal de Contas de Pernambuco suspenso.

O grupo movimentava grandes quantias em dinheiro vivo, ouro e até veículos. Um relatório do Coaf mostrou que Geórgia Neves, sem vínculo formal de trabalho desde 1998, depositou R$ 419 mil em espécie. A quadrilha também usava “laranjas” e negócios simulados para esconder a origem dos recursos, incluindo a compra de uma motocicleta registrada em nome de terceiros após a venda de uma vaga na Caixa Econômica.

Segundo o juiz federal Manuel Maia de Vasconcelos Neto, que autorizou a operação, “a organização contou com pessoas ainda não identificadas para fazer as provas, cada uma com uma matéria específica, garantindo a aprovação do contratante. O custo estimado era de R$ 300 mil por vaga”. A PF e o Ministério Público Federal solicitaram prisões preventivas, bloqueio de bens e suspensão das posses obtidas por meio de fraude.

Após o escândalo, o Ministério da Gestão reforçou a segurança do Concurso Nacional Unificado 2025, com detectores de metais em salas e banheiros, códigos de barra personalizados em cada prova e acompanhamento da Força Nacional. As medidas buscam impedir a repetição de um esquema que, segundo os investigadores, transformou concursos públicos em um “negócio milionário de compra e venda de cargos”.

Caique Lima
Caique Lima, 27. Jornalista do DCM desde 2019 e amante de futebol.